São Paulo, sábado, 14 de outubro de 2000

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O Brasil está pronto para ser privatizado?

NÃO
Pergunte ao verdadeiro dono

JOÃO VACCARI NETTO

A pergunta deve ser outra. O Banespa deve ser privatizado ou não? A resposta só pode ser dada pelo verdadeiro dono do banco, a sociedade brasileira e o povo de São Paulo. Por isso que mais de 300 mil pessoas assinaram pedido de plebiscito para que seja tomada a decisão.
Mas o projeto, já aprovado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça, está parado na mesa do presidente da Assembléia Legislativa paulista, o tucano Vanderlei Macris. Por acaso do mesmo PSDB do governador Mário Covas e do presidente Fernando Henrique Cardoso, aparentemente interessados em entregar o banco paulista a qualquer custo e o quanto antes, mesmo com irregularidades e ilegalidades.
Muitas delas estão sendo denunciadas pelo sindicato e Ministério Público Federal e foram objeto de ações na Justiça. Como no processo de contratação do Banco Fator para avaliação e modelagem do processo de privatização, em que foi constatada a participação dos irmãos Bresser Pereira em todas as frentes. Um no Fator, outro no Conselho de Administração do Banespa e um terceiro no ministério de FHC. Acabando com o princípio de impessoalidade.
Como coincidência pouca é bobagem, esse mesmo banco "errou", para menos, em R$ 376 milhões na avaliação. "Erro" parecido com o de outra consultoria, a Bozz-Allen, que deu um "desconto" de R$ 1,1 bilhão no preço mínimo. Além dessas, há outras irregularidades reconhecidas nos tribunais. Em lugar de respondê-las com argumentos jurídicos e respeitar a Justiça, o que fez o governo? Editou medidas provisórias alterando leis e permitindo que o presidente do STF cassasse qualquer decisão. E sem precisar de nenhum argumento: afirma-se apenas que existe "risco de grave lesão à ordem econômica".
O mais ridículo é que a alegação parte do mesmo governo que há anos nomeia a diretoria e administra o banco. É no mínimo estranha a lógica de que "preciso vender porque não sei administrar", desvalorizando a imagem do banco e querendo criar um fato consumado.
Mas o vale-tudo vai mais longe. Parte da imprensa aceita o jogo. Exemplo recente aconteceu com a liminar restaurada pela desembargadora Diva Malerbi, do Tribunal Regional Federal de São Paulo, justamente contra a contratação do Fator. Muitos veículos, em lugar de dizerem qual era a sentença e qual a ilegalidade cometida, tentaram desqualificar o sindicato, que a propôs.
A jornalista econômica da Rede Globo Miriam Leitão chegou a dizer no telejornal "Bom Dia Brasil" que o sindicato defendia o Banespa porque "tem nada menos que 311 funcionários cedidos pelo banco estatal. Eles trabalham para o sindicato, mas seus salários são pagos pelo Banespa". Coitados dos telespectadores, que tiveram de engolir uma mentira. O sindicato, além de não ter sido ouvido, não tem nenhum funcionário pago pelo Banespa. Pedido direito de resposta, a emissora ainda não se pronunciou.
Voltando à pergunta inicial, considero que o Banespa não está nem estará preparado para a privatização. Não está porque ainda existem inúmeras ilegalidades no processo e passivos escondidos, como no caso dos fundos de pensão, que devem chegar à casa dos R$ 7 bilhões.
Nem estará porque, para o país, é extremamente importante que existam bancos que financiem a produção e o desenvolvimento. Daí nossa proposta de que o Banespa se transforme num banco público com controle de toda a sociedade. Mas esse projeto precisa ser discutido seriamente e a decisão tem de ser tomada, repito, pelos verdadeiros donos do banco, a população. Ou o governo está com medo da "voz" das ruas?

João Vaccari Neto, 41, é presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e tesoureiro nacional da CUT.


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