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A "GUERRA" BRASILEIRA
Enquanto o governo investe
dinheiro público em comerciais
de TV com o declarado propósito de
elevar a auto-estima da população, o
jornal britânico "The Independent"
publica extensa reportagem a respeito da violência e da atuação do narcotráfico no Rio de Janeiro. A ex-capital
federal, eterno símbolo do país no
exterior, é chamada pelo diário de "a
cidade da cocaína e da carnificina",
uma imagem nada agradável para os
brasileiros.
Por mais que se possam fazer reparos e apontar exageros, como a comparação com os conflitos no Sudão e
na Tchetchênia, não há nada no texto
que se desconheça -nem mesmo o
apelido de "Faixa de Gaza", dado a
uma área da cidade pelos próprios
cariocas. Seria preciso uma dose
muito elevada de provincianismo para ver na reportagem uma tentativa
de distorcer os fatos e macular a imagem do Rio e do Brasil.
Sabe-se que a capital fluminense,
embora possa ser um caso extremado, não representa uma realidade
isolada no perigoso e inquietante
processo de recrudescimento da violência que se observa no país. Esse
processo é, por certo, complexo e reproduz desigualdades sociais, como
sugere o artigo do ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz
Eduardo Soares, publicado ontem
por esta Folha. Os dados disponíveis
revelam que as regiões mais pobres
do Rio são exatamente aquelas onde
os índices de homicídios atingem níveis alarmantes -enquanto nos
bairros de classe média e classe média alta as estatísticas não fogem
muito do padrão dos países ricos. Algo semelhante ocorre em São Paulo.
Ao contrário do que se poderia imaginar, são os mais pobres -e entre
eles os mais jovens- as principais
vítimas fatais da violência.
As explicações para esse cenário
não podem ser buscadas simplesmente nos clássicos "problemas sociais", como a pobreza e a desigualdade. Uma série de fatores conspira
para o quadro que se criou nas grandes cidades brasileiras: falta de planejamento, administradores incompetentes, ineficiência policial, Justiça
morosa, corrupção de agentes públicos, desestruturação do núcleo familiar, além de fatores psicológicos e
culturais ligados à formação de jovens em ambientes marcados pela
escassez de oportunidades, nos
quais o poder e o rendimento prometidos pelo tráfico de drogas exercem um forte fascínio.
É impossível, no entanto, perder de
vista a gigantesca dívida social ainda
por saldar. Não se trata de julgar que
bastam o crescimento econômico e a
distribuição de renda para acabar
com a criminalidade, mas, se o Brasil
pretende ser um país mais digno e
respeitável -e menos violento-,
não poderá continuar convivendo
com tamanha desigualdade e concentração de riquezas.
Infelizmente, constata-se que,
após anos de crescimento econômico medíocre e de persistentes dificuldades para promover a inclusão social, vai-se cristalizando no país uma
visão política hegemônica muito
pouco ambiciosa, para não dizer resignada, quando se trata de enfrentar
os grandes problemas nacionais.
Abdica-se da idéia de um esforço planejado e coordenado de desenvolvimento e procura-se administrar as
cruéis assimetrias socioeconômicas
com benefícios compensatórios, paliativos que podem minimizar o problema, mas não são a resposta definitiva para a exclusão social.
A prolongar-se esse cenário, parcelas inteiras da sociedade continuarão
a viver sem perspectivas e será pouco
provável que chegue a bom termo essa lastimável "guerra" brasileira.
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