São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES As vassouras e a eleição paulistana
BORIS FAUSTO
É claro que a politização nacional das eleições paulistanas não significa que essa marca esteja presente na cabeça de todo e qualquer eleitor ou que os êxitos ou fracassos da gestão da prefeita Marta Suplicy não desempenhem um papel destacado nas escolhas. Mas a politização se tornou dominante, dado o clima que se criou, tendo em conta, entre outros fatores, de um lado o investimento do governador Alckmin na campanha e, do outro, o do presidente Lula, cujo discurso de comício na inauguração de um trecho da Radial Leste levou-o a um pedido de desculpas. Note-se também, como sintoma negativo, a intolerância manifestada nos bolsões petistas da cidade, que vai além das paixões naturais em período eleitoral. Nessas áreas, tentam imperar caciques que se imaginam "donos do território", na linha de um comportamento que vem do tempo das intimidações ao presidente Fernando Henrique e ao governador Mário Covas. Depois dos resultados do primeiro turno, a politização cresceu ainda mais, concorrendo para isso o êxito do PT em escala nacional e o do PSDB nas áreas mais dinâmicas do país. Em princípio, a ascensão dos dois partidos pareceria um grande avanço na vida política brasileira, embora o bipartidarismo seja uma possibilidade remota, entre outras razões porque as elites brasileiras, em sentido amplo, precisam de mais de uma legenda para acomodar sua diversidade de interesses, o que afinal de contas é positivo. Infelizmente o êxito das duas legendas é menos auspicioso do que um observador desatento poderia presumir, dada a preponderância das atitudes de acirramento, ficando como frase isolada a afirmativa presidencial de que PT e PSDB, algum dia, acabariam se encontrando. No quadro atual, uma vitória petista em São Paulo conferiria ao governo Lula e ao PT a hegemonia política na condução do país. A hegemonia de um partido por muitos anos não descaracteriza necessariamente o regime democrático, se os princípios da democracia integrarem a cultura política ou estiverem enraizados na sociedade, como é o caso da Inglaterra de Margaret Thatcher e Tony Blair ou da Espanha de Felipe González e José María Aznar. Mas esse não é ainda o quadro de nosso país. Não falo de rupturas radicais porque, se o Brasil está ainda a meio caminho do pleno amadurecimento democrático, já deu passos significativos nesse sentido. Falo de um conjunto de iniciativas e de comportamentos do governo e de seu principal partido de apoio que vão acumulando tendências autoritárias e corporativas, contrárias ao pluralismo e ao princípio republicano segundo o qual o Estado não é de um, mas de todos. Os exemplos não faltam, em níveis diversos: as tentativas de centralização e de controle da imprensa e dos meios audiovisuais; as investidas contra a competência investigatória do Ministério Público; a ampliação do número de cargos de confiança e seu provimento por critérios fundamentalmente partidários, em detrimento da competência; a introdução da dialética amigo-inimigo, na linha do "quem não está comigo está contra mim", ao gosto do peronismo, no passado, e do chavismo, no presente. Por tudo isso, o que está em jogo no segundo turno das eleições municipais, especialmente em São Paulo, não é a eficácia das vassouras de La Guardia ou a qualidade de suas marcas ideológicas, hoje tão borradas. Está em jogo algo mais complexo e ao mesmo tempo mais importante: a recusa ou o reforço da tendência a um autoritarismo velado por parte dos atuais detentores do poder. Se a tendência não é formalmente explícita, nem por isso deixa de existir e de trincar os pilares da democracia. Boris Fausto, historiador, é presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Conjuntura Internacional da USP. É autor de, entre outras obras, "A Revolução de 30" (Companhia das Letras). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Emir Sader: O outro mundo possível Índice |
|