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CARLOS HEITOR CONY
Baile do cabide
RIO DE JANEIRO - Não era exatamente um folião. Mas, de cara
cheia, topava um baile ou outro,
principalmente os da pesada.
Casara-se havia pouco, uma loura
da Tijuca, que havia sido candidata
a miss. Era jornalista, como eu, e,
como advogado, ganhava os tubos
numa empresa estrangeira. Enfim,
tinha um futuro diante de si e algum passado.
Um desses passados tinha a forma e o gosto de uma balzaquiana,
que também freqüentava bailes da
pesada, realizados geralmente na
semana que antecede o Carnaval,
em horário vespertino e em local
camuflado. No fundo, uma grossa
esbórnia que abrigava pessoas sérias e comprometidas.
A princípio ele não quis ir. Alegou
que não era de farra -o que era verdade-, estava casado havia pouco e
gostava da mulher -o que também
era verdade. Mas insistimos e, com
algumas caipirinhas antes do almoço, lá foi ele ao baile que se chamava, não me lembro mais por que, de
Baile do Cabide.
Foi entrar no salão, já de cara
cheia, e topou com aquele passado.
Sim, lá estava ela, com um acompanhante de circunstância, esfregando-se em todos, olhando para todos, dando bola até para o pessoal
da orquestra. Eles haviam rompido
há tempos, justamente quando
marcara o casamento com a tal guria da Tijuca. Nunca mais haviam se
visto, ela não fizera escândalo, simplesmente assumira a sua vida livre
e alegre, continuando a ser como
era: mais ou menos de todos. Ele
mudara: tornara-se um burguês pacato, com cama certa, mulher certa,
hábitos certos.
Tomou umas caipirinhas a mais e
tomou, sobretudo, coragem. Tirou-a dos braços do acompanhante e declarou: "Você é minha!". Ela perdeu
o fogo, ele perdeu cabelos, mas ganharam a certeza de que eram um
do outro, para o bem ou para o mal e
para sempre.
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