São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Problemas da transição

RIO DE JANEIRO - Tenho cá minhas dúvidas sobre a eficácia da transição que se opera toda vez que um governo substitui outro. Na rotina burocrática ela é necessária, para que os novos governantes saibam onde estão os botões, as válvulas, os intrincados subterrâneos do Estado, que deveriam estar a cargo de um funcionalismo técnico de caráter permanente.
Dou uma comparação grosseira. Em viagens longas, a tripulação de um avião muda, desde o piloto, até a comissária que ensina como atar o cinto de segurança.
Acontece que, num avião, há um plano de vôo elaborado anteriormente para cada aparelho e para cada rota. Pouquíssima coisa fica a critério dos novos tripulantes, eles são obrigados a checar os instrumentos e as condições do equipamento, sem margem para qualquer inovação. As próprias emergências são pautadas anteriormente pelo fabricante e pelas regras da aviação civil e militar.
Um país não é um avião -é evidente. Não foi feito numa fábrica, peça por peça. É um organismo vivo e monstruosamente complicado, daí que cada tripulação adota um plano próprio para mantê-lo em funcionamento. Não há instruções da fábrica, que deverão ser obedecidas mecanicamente pelos tripulantes,
Pelo contrário. Cada equipe que substitui a anterior traça nova rota, substitui botões e teclas, aumenta ou diminui a velocidade e a altitude de cruzeiro, poupa ou gasta mais combustível.
E tem mais: cada equipe governamental acredita conhecer o aparelho, sabendo o que é melhor para voar com segurança e chegar ao destino traçado. Um piloto jamais poderá repetir aquele presidente da República que, em emergência, no segundo dia de governo, precisou se livrar de grave turbulência intestinal. Abriu uma porta, pensando que era a do banheiro. Era o gabinete do chefe de sua Casa Militar. Pouco mais tarde, seria deposto pelos tanques do Exército.


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