São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Mais do mesmo

Tudo o que se pode dizer, passada a primeira quinzena após a vitória de Lula, é que o grupo agora dominante vem administrando com prudente cautela o oceano de expectativas que o resultado eleitoral levantou. Exceto pelo favorecimento exagerado na televisão -Globo e PT, tudo a ver...- , não houve erros notáveis.
O eleito não quer se despedir da atmosfera de campanha, continuam a aparecer apoiadores "de primeira hora", o partido se abandona ao hábito assembleísta enquanto ainda não há o que governar. O crédito de confiança, que beneficia todo governo prestes a se instalar, promete ser neste caso maior e mais duradouro do que de costume.
Não se trata apenas de mudança de governo, mas de uma esperança mais profunda, projetada sobre alguém visto como antítese de tudo o que o poder vem representando há séculos. Vai demorar para que se perceba que a essência de todo poder é a mesma e que a margem de liberdade do governante é quase sempre muito estreita.
Se não há informações disponíveis, nem vazamentos sobre nomes da futura equipe, é menos por causa da "disciplina" petista do que pelo fato de que o presidente eleito não começou a agir, limitando-se a ouvir e a ponderar. Como todo ministério, este deverá ser anunciado na última hora, depois de uma tempestade de "lobbies" e de balões-de-ensaio.
O combate à fome, prioridade da qual seria difícil discordar, parece uma satisfação às origens sociais do eleito e uma fórmula oportuna para desviar atenções quanto à condução da economia. Como em tantos outros aspectos da administração, tal prioridade deverá resultar num prosseguimento do atual programa "Comunidade Solidária" sob nova roupagem.
O "pacto social", como é clássico em iniciativas do gênero, é o expediente para adiar conflitos, permitindo ao futuro governo ganhar tempo até acomodá-los, enquanto transmite a sensação de que todos estão "participando". No devido momento, o governo será compelido a atender alguns e desatender outros, quando então ninguém mais se lembrará do "pacto".
Logo mais virá o périplo ao exterior, que todo presidente brasileiro pratica antes de tomar posse, com vistas a assegurar repercussão na mídia nacional e eludir as pressões mais diretas na fase em que os apetites estarão mais aguçados, às vésperas da repartição dos cargos governamentais.
Pelos primeiros indícios, a impressão é a de que está em montagem um governo bastante convencional do ponto de vista econômico-financeiro, que vai adotar os métodos tradicionais de composição no Congresso e que deverá demorar até adquirir alguma fluência executiva. Para quem prometeu mudar tudo, terá sido muito barulho para quase nada.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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