São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um conselho para o novo Brasil

PAULO PEREIRA DA SILVA

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, acertou ao propor a criação de um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social nos moldes do que existe na França, mas não devemos imaginar que ele funcionará como os que, na Espanha e na Irlanda, realizaram o chamado "pacto social". Não estamos em guerra civil nem saindo de uma ditadura.
O Brasil vive uma democracia. Ela nos assegura liberdade, mas ainda não levou bem-estar para milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. Oito anos de governo supostamente social-democrata infelizmente drenaram riqueza para o sistema financeiro, que vive de juros, e não para o setor produtivo, que gera emprego, renda e justiça social. Daí a necessidade de mudar o modelo econômico e social, promessa não cumprida de FHC, agora transformada no principal apelo do presidente eleito Lula.
Esqueçamos a idéia ilusória de um pacto social em que todos ou alguns perdem para ganhar algo no futuro, porque ninguém aceita perder alguma coisa, a não ser que diante dele esteja a perspectiva de uma catástrofe imediata. Essa história de perder hoje para ganhar amanhã é antiga: Delfim Netto já falava nisso, com aquele famoso bolo que precisava crescer para ser repartido.
Sem pacto, faz sentido então criar o referido conselho? Faz, e muito. Se for integrado por entidades realmente representativas da sociedade, pode ser o fórum no qual estabeleceremos consensos mínimos antes de qualquer grande mudança ser encaminhada ao Congresso, que poderá atuar mais livre das pressões corporativistas e dos lobbies.
O conselho deverá se dedicar apenas às grandes causas, que se arrastam há tempos. A reforma tributária e fiscal obteve há quase dez anos enorme consenso entre empregadores e trabalhadores, mas parou no Congresso porque prefeitos, governadores e o governo federal temiam perder receita.


Esqueçamos a idéia ilusória de um pacto social em que todos ou alguns perdem para ganhar algo no futuro


O conselho poderá agora chamar governadores e representantes de prefeitos para o debate, estabelecendo-se com transparência que, no final, ganharão todos, com o desenvolvimento. Grupos de estudo, menores, poderão ser criados para esclarecer as dúvidas, de forma que o Congresso possa examinar uma proposta factível nascida desse consenso mínimo e aprová-la.
Reforma igualmente complexa, mas com menor número de atores, é a do sistema trabalhista e sindical. Representantes dos empresários e dos trabalhadores terão que se entender na busca da modernização da CLT, sem tirar direitos reais dos trabalhadores, e de um novo modelo de sindicalismo, tanto dos patrões quanto dos empregados.
É fundamental criar um novo sistema de custeio das entidades, que seja resultado do seu papel de negociadoras nos contratos coletivos. O questionamento do fim da unicidade não pode acarretar fraquezas nas representações dos trabalhadores. Uma nova proposta tem de contemplar uma maior presença dos sindicatos nos locais de trabalho.
A reforma da estrutura sindical deve reconhecer as centrais sindicais como expressão máxima de organização dos trabalhadores. Quanto aos ramos da produção hoje representados pelas confederações, deverão ser integrados, através destas, a essa nova estrutura que negociará os contratos coletivos nacionais de suas respectivas categorias.
Acreditamos que a parceria do sistema "S" e das centrais sindicais para execução de políticas públicas de emprego e renda, com recursos do FAT -tão oportunisticamente criticada nos últimos tempos-, deve ser estimulada, se quisermos um terceiro setor funcionando verdadeiramente.
A reforma da Previdência deve ser uma das prioridades. Só uma ampla reforma, que acabe com os privilégios, respeitando os direitos adquiridos, pode reverter a tendência deficitária.
Por causa de tal complexidade, o conselho não deverá perder tempo com políticas setoriais, salários, questões envolvendo pequenos ou médios grupos da sociedade. Para estes casos, câmaras setoriais resolvem, se forem ágeis e criativas. Imaginem uma câmara para discutir o setor da panificação. Donos de padarias e indústrias de biscoitos poderão dar aumentos para seus empregados se aceitarem a adição de 30% de farinha de mandioca ao pão, barateando-o e mantendo-o nutritivo. Tal medida é salutar para as contas públicas, porque diminui a importação de trigo e, por tabela, estimula a agricultura familiar.
Há muitos outros exemplos. O principal, devemos insistir, é ter uma agenda e não perder o foco. Criemos o conselho para nele os poderes da República se consultarem a respeito das reformas. E criemos as câmaras setoriais, para nelas os agentes econômicos e sociais resolverem, pela negociação, suas questões pontuais e emergenciais.


Paulo Pereira da Silva, 46, é presidente da Força Sindical. Foi candidato a vice-presidente da República, neste ano, na chapa de Ciro Gomes.


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