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TENDÊNCIAS/DEBATES
Entre a precarização e a democracia
GRIJALBO F. COUTINHO
Ao instituir o Fórum Nacional
do Trabalho, o governo pretende
discutir com a sociedade mudanças na
legislação trabalhista. Argumenta-se
que as normas trabalhistas estão ultrapassadas e merecem alteração.
Não custa recordar que o nascimento
do direito do trabalho tem origem na luta organizada dos trabalhadores. O caráter protetor que lhe é inerente parte
da premissa de que há desigualdade na
relação entre capital e trabalho. Sem
uma tutela regulatória, o empregador,
economicamente mais forte, fixa livremente as condições contratuais e prevalece a lei da selva.
É inegável que o Estado do bem-estar
social sofreu abalo a partir dos anos 70,
com a crise do petróleo de 1973 e do
próprio capitalismo, trazendo transformações na forma de organização da
produção capitalista, o enfraquecimento do movimento sindical e o fim do socialismo no Leste Europeu. A revolução
tecnológica dos últimos anos reduziu
algumas tarefas e retirou muitos postos
de trabalho. A liturgia neoliberal, hegemônica desde então, passou a impor a
imolação do direito do trabalho perante
o altar do mercado globalizado.
Com melancólicos recordes de concentração de renda, salários indecentes
e milhões de excluídos, o Brasil assistiu
à principal investida contra os direitos
dos trabalhadores sob um pretexto -o
de que o negociado deveria prevalecer
sobre o legislado. A autonomia privada
coletiva deve ser consagrada como preceito de emancipação social dos trabalhadores, e não como instrumento de
precarização de seus direitos. O resultado da negociação não pode significar a
perda das garantias históricas dos cidadãos brasileiros, resultado de muitas lágrimas e sangue. São conquistas que,
por isso, não podem ser consideradas
mero anacronismo.
A negociação coletiva, aliás, está a exigir uma reforma sindical que consagre a
liberdade e o fim das contribuições
compulsórias, banindo os sindicatos de
carimbo. Não se pode fazê-la, entretanto, sem repensar os mecanismos de financiamento da capacidade de resistência das categorias profissionais. Ainda
que a reforma fortaleça os sindicatos, a
realidade brasileira não autoriza a prevalência da negociação coletiva sobre as
normas sociais contidas na Constituição e na CLT, sob pena de patrocinar o
governo do PT um histórico desmonte
dos direitos dos trabalhadores, desestruturando a economia nacional.
Ao instalar o fórum, o presidente Lula
sinalizou no sentido de que as pequenas
e médias empresas podem receber tratamento legal diferenciado através do
que já se convencionou denominar
"simples trabalhista". Não estamos de
acordo com isso. Qualquer distinção
entre empregadores deve estar circunscrita ao campo tributário, à política de
crédito bancário e ao sistema S (Sesi, Senai e outros). É falso o argumento que
considera que o custo da mão-de-obra
no Brasil inibe o emprego. O que gera
desemprego é a concentração de renda.
O trabalho não pode ser visto como insumo banal da produção. Ele é fundamento da
República
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Para enfrentar a nova realidade, é preciso reduzir a jornada de trabalho, sem a
diminuição remuneratória, coibir as
horas extras e instituir política básica de
desenvolvimento econômico que privilegie a criação de empregos e de programas de educação e treinamento da
mão-de-obra, com a manutenção do
sistema de proteção ao trabalho integrado pelas normas gerais e irrenunciáveis contidas nas convenções da OIT e
na Constituição. Democratizando a relação entre capital e trabalho e tornando-a mais humana -ou menos selvagem-, o Brasil deve seguir o exemplo
de outros países e dar cumprimento à
convenção 158 da OIT, que proíbe a dispensa arbitrada.
Reconciliando-se com seu próprio código genético, o presidente Lula precisa
cancelar a denúncia feita pelo seu antecessor, tornando efetiva a norma constitucional que assegura proteção contra
a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
A reforma trabalhista terá importância no contexto atual se souber preservar as conquistas históricas dos trabalhadores. Sua principal tarefa, no entanto, será a de mudar conceitos equivocados sobre o custo do trabalho e conscientizar os setores empresariais de que
é imprescindível distribuir as riquezas,
dando dignidade às pessoas. Caso contrário, o tiro sairá pela culatra, pois, não
havendo renda, apenas o capital financeiro terá fôlego para continuar especulando, ao lado de multinacionais que
abocanharão as pequenas fatias de consumidores.
Reformar sem precarizar interessa
aos trabalhadores e aos empresários
que apostam no fortalecimento do mercado interno. O trabalho não pode ser
visto como insumo banal da produção.
Ele é fundamento da República e sua
promoção, "conditio" da permanente
construção do Estado democrático de
Direito.
Grijalbo F. Coutinho, 38, é o presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados
da Justiça do Trabalho).
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