|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Os cortes no Orçamento do próximo ano comprometem as áreas sociais?
SIM
Efeitos reais e virtuais do pacote
LUIZ PINGUELLI ROSA
Um mundo telecomandado por grupos econômicos e políticos. Esse é o tema tratado em "Homo Videns", recente livro de Giovanni Sartori, da Columbia University. A mesma preocupação foi revelada em 1994 por Karl
Popper, um dos pais do neoliberalismo
-não o modelo falsificado, como o
importado pelo Brasil, onde se está
criando um mundo virtual para esconder o mundo real, agora ainda mais indigesto com o pacote do FMI.
Li sobre um projeto de lei para punir
secretários da Fazenda de governos estaduais que fizerem gastos excessivos
nos seus Estados, incluindo a suspensão de direitos políticos.
Não se trata de combate à corrupção
com o dinheiro público, ao empreguismo e a roubalheiras. A ética na política,
nome dado por Betinho a um movimento no tempo do impeachment e
dos anões do Orçamento, está fora de
moda. Haja vista a compra de votos de
deputados para aprovar a reeleição, denunciada sem consequências além de
um bode expiatório na Câmara.
Exemplo ainda maior está nas privatizações com preços generosos, calculados como se o risco de uma empresa
elétrica ou de telecomunicações fosse
igual ao de um restaurante ou ignorando imensas reservas de minério, como
mostraram estudos da Coppe para procuradores da República e para uma comissão da Câmara. Portanto não é disso que trata a notícia que li.
O objetivo seria, então, punir quem
sextuplicasse a dívida do governo, pagasse a banqueiros, de moto próprio,
juros muito acima dos do mercado internacional, estimulasse muito mais as
importações do que as exportações, tomasse dinheiro emprestado em nome
do governo sem limites. Mas, nesse caso, o primeiro incriminado seria o
atual ministro da Fazenda. Não se entende como ele é mantido no cargo enquanto o governo fala em corte de gastos. É como se o construtor do prédio
que caiu na Barra da Tijuca fosse agora
nomeado secretário de Obras. Se não é
para punir quem favorece banqueiros
com o dinheiro público, para que é?
Lendo melhor a notícia, vê-se que se
deseja punir quem gastar o dinheiro
público com a função pública -isto é,
com saúde, educação, saneamento,
serviços públicos. Quando falam em
reduzir gastos públicos, eles se referem
a esses últimos, que não crescem há
anos, como também os salários federais, congelados. Não se referem à parte dominante da dívida, sextuplicada
devido à política econômica de pagar
juros altos para atrair dólares, em nome da estabilidade da moeda e da abertura da economia.
Logo, dentro dessa lógica, com o pacote, pode-se esperar a proposta de novos tipos de punições. Poderão ser punidos os médicos de hospitais públicos
que atenderem, internando e medicando, mais doentes do que o permitido
pelo FMI? Os doentes excedentes serão
condenados à morte, numa reedição da
solução final dos nazistas?
Também poderão perder o cargo público professores que ensinarem demais, gastando com isso não só giz como materiais de laboratório, ou mandarem comprar livros para as bibliotecas e programas de computador, excedendo o limite permitido pelo FMI?
Engenheiros que fizerem obras públicas para atender à população acima de
algum limite traçado pelo FMI poderão
ser afastados e cassados, como no tempo do AI-5? Coerente com isso, um diretor do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) propôs suspender o expediente de órgãos públicos
por alguns anos, num longo ponto facultativo, por medida de economia.
Passariam a ser órgãos virtuais.
Não menos virtuais foram as medidas
anunciadas pelo governo para combater o desemprego. Não combatem o desemprego! Não geram emprego nem
evitam dispensas, mas implantam novas modalidades de demissões, adjetivando-as e criando algumas indenizações pífias. É como se um médico,
diante de uma doença difícil, em vez de
medicar o doente, oferecesse a ele um
belo caixão, em várias cores.
Luiz Pinguelli Rosa, 56, físico, é professor titular e vice-diretor da Coppe (Coordenação dos Programas de
Pós-Graduação em Engenharia) da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro).
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|