São Paulo, sábado, 14 de novembro de 1998

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Os cortes no Orçamento do próximo ano comprometem as áreas sociais?

SIM
Efeitos reais e virtuais do pacote

LUIZ PINGUELLI ROSA

Um mundo telecomandado por grupos econômicos e políticos. Esse é o tema tratado em "Homo Videns", recente livro de Giovanni Sartori, da Columbia University. A mesma preocupação foi revelada em 1994 por Karl Popper, um dos pais do neoliberalismo -não o modelo falsificado, como o importado pelo Brasil, onde se está criando um mundo virtual para esconder o mundo real, agora ainda mais indigesto com o pacote do FMI.
Li sobre um projeto de lei para punir secretários da Fazenda de governos estaduais que fizerem gastos excessivos nos seus Estados, incluindo a suspensão de direitos políticos.
Não se trata de combate à corrupção com o dinheiro público, ao empreguismo e a roubalheiras. A ética na política, nome dado por Betinho a um movimento no tempo do impeachment e dos anões do Orçamento, está fora de moda. Haja vista a compra de votos de deputados para aprovar a reeleição, denunciada sem consequências além de um bode expiatório na Câmara.
Exemplo ainda maior está nas privatizações com preços generosos, calculados como se o risco de uma empresa elétrica ou de telecomunicações fosse igual ao de um restaurante ou ignorando imensas reservas de minério, como mostraram estudos da Coppe para procuradores da República e para uma comissão da Câmara. Portanto não é disso que trata a notícia que li.
O objetivo seria, então, punir quem sextuplicasse a dívida do governo, pagasse a banqueiros, de moto próprio, juros muito acima dos do mercado internacional, estimulasse muito mais as importações do que as exportações, tomasse dinheiro emprestado em nome do governo sem limites. Mas, nesse caso, o primeiro incriminado seria o atual ministro da Fazenda. Não se entende como ele é mantido no cargo enquanto o governo fala em corte de gastos. É como se o construtor do prédio que caiu na Barra da Tijuca fosse agora nomeado secretário de Obras. Se não é para punir quem favorece banqueiros com o dinheiro público, para que é?
Lendo melhor a notícia, vê-se que se deseja punir quem gastar o dinheiro público com a função pública -isto é, com saúde, educação, saneamento, serviços públicos. Quando falam em reduzir gastos públicos, eles se referem a esses últimos, que não crescem há anos, como também os salários federais, congelados. Não se referem à parte dominante da dívida, sextuplicada devido à política econômica de pagar juros altos para atrair dólares, em nome da estabilidade da moeda e da abertura da economia.
Logo, dentro dessa lógica, com o pacote, pode-se esperar a proposta de novos tipos de punições. Poderão ser punidos os médicos de hospitais públicos que atenderem, internando e medicando, mais doentes do que o permitido pelo FMI? Os doentes excedentes serão condenados à morte, numa reedição da solução final dos nazistas?
Também poderão perder o cargo público professores que ensinarem demais, gastando com isso não só giz como materiais de laboratório, ou mandarem comprar livros para as bibliotecas e programas de computador, excedendo o limite permitido pelo FMI? Engenheiros que fizerem obras públicas para atender à população acima de algum limite traçado pelo FMI poderão ser afastados e cassados, como no tempo do AI-5? Coerente com isso, um diretor do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) propôs suspender o expediente de órgãos públicos por alguns anos, num longo ponto facultativo, por medida de economia. Passariam a ser órgãos virtuais.
Não menos virtuais foram as medidas anunciadas pelo governo para combater o desemprego. Não combatem o desemprego! Não geram emprego nem evitam dispensas, mas implantam novas modalidades de demissões, adjetivando-as e criando algumas indenizações pífias. É como se um médico, diante de uma doença difícil, em vez de medicar o doente, oferecesse a ele um belo caixão, em várias cores.


Luiz Pinguelli Rosa, 56, físico, é professor titular e vice-diretor da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).




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