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O golpe da extrema direita
BORIS FAUSTO
Nos depoimentos dos integrantes da
reunião em que se promulgou o AI-5
("Época", 7/12), em meio às variações pessoais, há um fio comum: os
participantes se dizem convencidos de
que estão instituindo uma ditadura
para salvar o país da desordem e do
caos, provocados pela contra-revolução.
É significativo assinalar o fato de
que, decorridos 30 anos do episódio,
nenhum dos remanescentes daquela
reunião se disponha a rever esse enfoque. Eles parecem considerar não ter
razões para isso e o senador Jarbas
Passarinho, com sua franqueza habitual, insiste em afirmar que a escolha
era entre a ditadura e o comunismo.
A análise histórica desmente a versão maniqueísta. O AI-5 não foi um
remédio amargo, adotado em uma
conjuntura de caos social, mas uma
medida de força, na linha do estabelecimento de uma ditadura sem brechas, sustentada pela extrema direita,
desde o início dos anos 60, ou mesmo
antes, por convicções ideológicas.
Foi um ato longamente premeditado, que se tornou possível após o afastamento do grupo castelista, no interior das Forças Armadas. Naquela altura, como se sabe, os defensores do
aprofundamento da ditadura, nos
meios militares e também civis, venceram os partidários de uma gradativa
abertura que só viria a concretizar-se
anos mais tarde.
Uma breve referência à conjuntura
de 1968 confirma essa interpretação. É
certo que as manifestações da oposição contra o regime militar ganharam
ímpeto naquele ano (passeata dos 100
mil no Rio de Janeiro, greves de Contagem e Osasco), assim como é certo
que tinham surgido as primeiras ações
da guerrilha urbana.
Mas o regime autoritário concentrava o poder em suas mãos e dispunha
de meios suficientes para enfrentar
seus adversários, mesmo os mais radicais. Note-se que as manifestações da
oposição tinham arrefecido, nos últimos meses de 1968. Desse modo, a recusa do Congresso em dar licença para se processar o deputado Marcio
Moreira Alves representou apenas o
pretexto utilizado pelos coronéis da
"linha dura" para manipular Costa e
Silva e instituir o arbítrio.
A partir do AI-5, por força de condições geradas por ele, muitos simpatizantes e militantes de esquerda, sobretudo os mais jovens, convenceram-se da inviabilidade de enfrentar o
regime autoritário por meios pacíficos. Quando as portas se fecharam,
cresceu a ilusória atração pela luta armada, como aliás a extrema direita
desejava, pois os sequestros e outros
atos espetaculares pareciam justificar
uma repressão feroz. Em poucas palavras, antes de ser um ato reativo de
defesa, o AI-5 foi um ato de profunda
agressão à sociedade, com as consequências conhecidas.
Passados 30 anos da decretação do
AI-5, o Brasil mudou para melhor. Virou uma página trágica de sua história
e se converteu em uma democracia,
com as insuficiências conhecidas. Mas
a memória permanece. E é um dever
das gerações mais velhas transmitir às
mais novas -quando mais não fosse
para valorizar a liberdade de expressão- um pouco da experiência daqueles anos de chumbo.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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