São Paulo, segunda, 14 de dezembro de 1998

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O caçador de cérebros

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Bem ou mal, após os últimos escândalos revelados pelas criminosas mas ainda não apuradas escutas telefônicas, a classe política, como um todo, ficou tensa. Inocentes e pecadores, com culpa ou sem ela, sentem a barra pesada. De uma hora para outra, um grampo, uma secretária distraída, um motorista com escrúpulo podem pulverizar uma reputação e criar um furacão na vida nacional.
Daí a seriedade que se vê nos rostos e falas dos dirigentes e dos congressistas. Até provarem que não são elefantes, o poder e a honra podem sumir pelo ralo.
Há uma exceção. Por incrível que pareça, é a do ex-ministro Mendonça de Barros, por sinal o principal envolvido no caso da privatização das teles.
Ele continua jucundo, falando pelos cotovelos, como se nada tivesse acontecido. Sente-se até mais prestigiado pelo presidente da República, que nele continua confiando e atribuindo-lhe, entre outras missões relevantes, a de caçar cérebros para a formação do novo governo.
É um ofício no qual ele se declara mestre. Conhece os melhores cérebros do país. Acima dos partidos, das correntes de opinião, ele é realmente o mais indicado para separar o joio do trigo. Ao contrário de Ovídio, que conhecia o bem e o mal mas seguia o pior, ele sabe o que é o crime, o que é virtude, e considera-se virtuoso.
Tamanho gáudio não foi contestado por FHC. Acuado pelos fatos, o presidente da República mandou um recado genérico à nação, declarando que quem manda no governo é ele e não o presidente do Senado.
Nada fez para contestar seu ex-ministro, que fora do poder exibe poder maior: o de indicar cérebros para a nova máquina que vai continuar salvando o país.
Nem o finado Sérgio Motta, em seus melhores dias, exibia tamanha desenvoltura. Como até agora eu não recebi nenhum sinal de que o homem das teles anda me caçando, começo a suspeitar de que ele realmente tem essa importante missão.



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