São Paulo, quinta, 15 de janeiro de 1998.



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Aos costumes!

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - Quase 20 anos depois de Fernando Gabeira chocar o país com sua sunga lilás de tricô e o discurso a favor da maconha, a campanha política deste ano deve finalmente abordar temas de comportamento.
A ditadura caiu, a tortura política acabou. A direita não é mais tão reacionária nem a esquerda tão ortodoxa. Às vésperas do ano 2000, o eleitor precisa de elementos para discutir, com um mínimo de humanidade e cabeça fria, o aborto legal, a união civil gay, a descriminação da maconha e do adultério. Por que não?
Alguns poderiam alegar que "o povo não está preparado", ou que o fundamental ainda é debater questões econômicas e sociais. Afinal, grassa a violência, grassa o desemprego, grassa a desgraça. Nada disso, porém, impede que as campanhas progressistas ataquem nas duas frentes.
A mulher da periferia já faz aborto há tempos e está mais interessada no arroz e no feijão do almoço. Mas ela também precisa ter consciência dos riscos da televisão na educação dos filhos e saber que há um projeto de lei trocando os "açougueiros" da esquina pelo SUS, quando a gravidez é resultado de estupro ou ameaça sua vida.
Temas assim já estrearam na atual campanha nacional, com uma ousada entrevista de Ciro Gomes. Devem deslanchar nas estaduais com Marta Suplicy em São Paulo. Se o PT deixar...
Pela tradição, político esperto corre desses assuntos feito diabo da cruz. Com razão. O próprio FHC, na fase pré-esperteza, por pouco não se aposenta prematuramente da vida pública ao admitir que havia provado maconha e titubear diante da dúvida mais cruel: Deus existe? Mas a sociedade evolui.
Se FHC aprendeu a lição, o irreverente Gabeira não ficou atrás. Hoje deputado e cinquentão, ele ensina que um pouco de pragmatismo não faz mal a ninguém, muito menos a candidato: "O ideal é provocar, mas sem assustar e sem perder eleitor".
Qual a mágica? Simples. Não alardear apenas convicções íntimas, como fez Ciro, mas defender projetos de lei que combinem com elas. Exemplo: em vez de defender o aborto, por que não justificar o projeto do aborto legal?



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