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O ano da segurança
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Houve estupor dentro do organismo. Apavorados, os micróbios ficaram sabendo que havia
uma tal de penicilina que mataria a
todos. Partiram para a mobilização,
convocaram uma assembléia extraordinária, precisavam de uma estratégia
que neutralizasse a ação dos novos
agentes que se infiltrariam no corpo
humano.
Na praça central, em cima de um
caixote de bacalhau histórico (fora a
tribuna de outros movimentos libertários), o líder dos micróbios arengava
às massas, incitando-as à reação. Eis
que passa pela praça um velho micróbio, caindo aos pedaços, trêmulo, arrastando os pés, bengala branca, óculos escuros e redondos que nem o Jorge
Benjor (estava quase cego), mala de
papelão amarrada por barbante.
"Ei! Você aí aonde vai? Não fica para a resistência?"
O velho micróbio, cuja sabedoria
tornara-se lendária, informou: "A
barra está pesada. Andei lendo sobre
essa tal de penicilina. Acho que não
dá pé. Vou dar o fora. Embarco por
via marítima na primeira urina do
dia".
Foi assim que me senti quando soube que FHC dedicará o ano de 1998 à
segurança. Tivemos em 1997 o Ano da
Saúde. A dengue continuou se propagando em taxas altíssimas em todo o
país e muitos brasileiros continuaram
nascendo na pia e morrendo no corredor dos hospitais.
Nada de pessoal no assunto. Não tive dengue até agora, nasci em sólida
cama que ainda hoje existe. De maneira que não reclamo por mim.
No "Roda-Viva" desta semana, o
ex-ministro Adib Jatene, sem fazer
oposição ao governo do qual fez parte,
mostrou a insensibilidade da equipe
econômica que cortou as verbas da
saúde de forma dramática. Isso no
Ano da Saúde. A batalha na qual se
empenhou para obter recursos deu no
que deu.
Agora, quanto à segurança, que merecerá especial atenção de FHC nos
próximos meses, estou que nem o velho micróbio: acho que a barra ficará
tão pesada que o mais prudente é dar
o fora por via marítima, terrestre ou
aérea.
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