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Ascensão e queda de Bertolt Brecht
OTAVIO FRIAS FILHO
Este ano é o centenário de Bertolt
Brecht (1898-1956). Renato Borghi já
comemora em São Paulo, protagonizando a "Vida de Galileu", uma das
peças mais famosas do dramaturgo
alemão. O texto foi encenado em 68,
na montagem histórica de Zé Celso da
qual Borghi participou, liberada pela
censura, paradoxalmente, no dia da
edição do AI-5.
Duas épocas, duas encenações diferentes e agora uma oportunidade preciosa de conhecer o Galileu de Brecht
interpretado por um ator não só
brechtiano, mas talentoso e culto como é cada vez mais raro, a melhor escolha para o papel. Mas será que a peça sobreviveu? Nas mãos de Zé Celso,
ela galvanizou um sentido bem específico.
O Galileu de 68 era um intelectual
calado pela censura, como muitos na
platéia, mas que nem por isso deixava
de anunciar o advento de uma era revolucionária que estava por vir. Ela
não veio, como sabemos, mas enquanto isso aconteceu algo imprevisível: a "nova era" foi varrida até mesmo dos lugares onde conseguira se
instalar.
Não há mais censura e não há mais
revolução, a metáfora do Galileu de
Brecht corre o risco de se esgotar nos
dilemas do geneticista que criou a
ovelha Dolly. Todo o aspecto social
que inerva a peça (e a obra de Brecht
como um todo) se esvaziou, a própria
idéia de um conflito entre progresso e
reação se tornou confusa, ambígua.
Beckett e Pinter são esquálidos demais, Pirandello é muito excêntrico,
Eugene O'Neill soa cada vez mais convencional, Shaw pertence antes ao século passado. Não é fácil negar a
Brecht o posto de maior dramaturgo
deste século. Mas suas apólices despencam na bolsa literária, o futuro de
sua reputação parece incerto como o
da rupia.
Sua poesia ("Diz-se que o rio é violento, mas não se diz que são violentas
as margens que o oprimem") era inspirada numa doutrina que entrou em
colapso. Seu teatro esteve a serviço de
uma ditadura sustentada em tanta
mentira que, quando caiu, caiu de podre. Para não mencionar sua conduta
pessoal, muitas vezes deplorável. O
que sobra de Brecht?
O leitor poderá responder por conta
própria, vendo "Galileu". Qualquer
juízo conclusivo vai demorar, a Queda
ainda é recente, mas não custa deixar
aqui algumas sugestões em defesa do
teatro de Brecht, caso ele precisasse de
procuração. A imagem que temos é a
de que Brecht criou uma poesia forte,
mas esquemática, maniqueísta.
O objetivo era flagrar mecanismos
sociais em seu funcionamento mais típico; o célebre "distanciamento" devia romper a cadeia emocional entre
espetáculo e platéia, forçando o público a pensar mais do que sentir. A pobreza dos meios (comparada ao cinema...) casava com as intenções de denúncia, o teatro era um circo político.
Ao mesmo tempo, há uma complexidade subjacente. Os poderosos, por
exemplo, seus vilões, são marionetes
do dinheiro, de cuja tutela até gostariam de se libertar, se pudessem, enquanto que os oprimidos, saídos da
tipologia popular de Shakespeare,
agem em função do mais vil interesse.
Brecht é menos óbvio e por isso mesmo mais duradouro do que parece.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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