São Paulo, terça-feira, 15 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A municipalização da saúde

JOSÉ DA SILVA GUEDES

O artigo do secretário municipal da Saúde de São Paulo ("Tendências/Debates", pág. A3, 10/1), preocupado com a municipalização das equipes de saúde da família (Qualis), nos dá o ensejo de relatar à população as ações do governo do Estado em relação à saúde na cidade de São Paulo. A equipe que nos governos Covas/Alckmin está dirigindo a saúde no Estado vem tendo, de longa data, destacada atuação na construção do sistema de saúde e na luta pelas propostas de municipalização.
No período de 1995 a 2000, correspondente aos governos Maluf e Pitta, a Secretaria de Estado da Saúde não contou com a parceria da secretaria do município, que, em vez de somar esforços, desenvolveu uma luta contra o aprimoramento do SUS (Sistema Único de Saúde), investindo numa aventura eleitoreira chamada PAS -um modelo que, depois de um período inicial em que os serviços de assistência foram demagogicamente "maquiados", entrou num processo de sucateamento. Nessa fase, a rede estadual sustentou a assistência à saúde na cidade, tendo sido contratados mais de mil médicos. As pessoas atendidas nos postos do PAS recorriam às unidades do Estado que, sem titubear, forneciam os medicamentos receitados.
Nesse período, o governo estadual pôs em funcionamento três grandes hospitais na cidade de São Paulo: Itaim Paulista, Pedreira e Grajaú, que acrescentaram 660 novos leitos, com UTI, atendimento à maternidade de risco etc. Esses hospitais trabalham a plena carga e atendem ao SUS exclusivamente.
Uma rede de mais sete hospitais, com 1.620 leitos, foi implantada também pelo governo estadual nos municípios vizinhos à capital, de onde (se houver deficiência de leitos hospitalares) vem para São Paulo uma grande quantidade de pacientes, os quais acabam pressionando ainda mais a rede de serviços da cidade. Esses hospitais foram implantados em Guarulhos, Itaquaquecetuba, Diadema, Pirajussara, Itapecerica da Serra, Carapicuíba e Itapevi.
Não temos dúvidas de que essa rede evitou o colapso da assistência na capital, inclusive no ano que passou, quando a secretaria municipal, muito acertadamente, tratou de acabar com o PAS. Porém foi um ano em que o processo de desmonte não foi acompanhado por uma substituição rápida dos serviços, o que agravou ainda mais a situação.


O Qualis transformou-se num "valor real" para a população e é pedido pelas comunidades dos quatro cantos da cidade
Em 2001, os nossos novos hospitais realizaram 132 mil internações, dentre elas 37 mil em cirurgia geral, 52 mil em obstetrícia, 23 mil em clínica médica, 1.400 em psiquiatria e 18 mil em pediatria. Além dessas internações, foram realizados 652 mil atendimentos ambulatoriais, 1,2 milhão de consultas de urgência/emergência e 3,7 milhões de exames de apoio diagnóstico, sendo 95 mil ultra-sonografias e 37 mil tomografias.
Ainda em 2001, a secretaria estadual prestou uma enorme colaboração à secretaria municipal, sem a qual teria sido impossível aprovar em Brasília, em fevereiro, o processo de municipalização na cidade de São Paulo, com um cronograma acertado para transferência até o final do ano das UBS (unidades básicas de saúde). Foi graças a isso que, já em março, o SUS passou a transferir recursos financeiros diretamente para o município para o custeio da assistência básica. Foi acertado, então, que o Qualis (Programa Saúde da Família) seria o último componente municipalizado.
O Qualis é a única experiência nacional de implantação do PSF por uma secretaria estadual -em todos os demais casos o programa é municipal. A razão para isso foi a recalcitrante luta dos governos Maluf e Pitta contra o SUS.
Em 1995, era muito importante para o ministro Jatene que o governo do Estado mostrasse para o Brasil que não apenas apoiava, mas, com entusiasmo, implantava o programa na maior cidade do país. Aí está o maior programa urbano de saúde da família, hoje com mais de 210 equipes atendendo cerca de 900 mil pessoas. Programa que, diferentemente dos demais do país, previu o acesso a ambulatórios de especialidades e a hospitais terciários e incluiu ações de saúde mental, bucal e reabilitação.
Aprovado pela população como ótimo e bom em percentuais acima de 95%, o Qualis transformou-se num "valor real" para a população e é pedido pelas comunidades dos quatro cantos da cidade. Iniciada a municipalização, a secretaria estadual decidiu não mais expandir o número de equipes, uma vez que agora cabe à prefeitura tratar dessa tarefa. Em 2001, o município deu passos iniciais nessa direção, porém não implantou novas equipes.
Há pelo menos 5 milhões de habitantes à espera da ampliação do programa. Temos um cronograma definido para a passagem do Qualis para a administração municipal. Esperamos que a Secretaria Municipal de Saúde, dando continuidade ao programa, tenha a mesma satisfação que tivemos ao iniciá-lo.


José da Silva Guedes, 66 , médico sanitarista, professor titular de medicina social da Santa Casa de São Paulo, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo. Foi secretário municipal da Saúde de São Paulo (administração Covas).


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Alfredo Sirkis: O desafio da cidade informal

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.