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MARINA SILVA
Antídotos contra a corrupção
EM "A REPÚBLICA", Platão
conta o mito do camponês Giges que, certo dia, pastoreando suas ovelhas, encontra uma cratera aberta por violenta tempestade. Lá, ele descobre o cadáver de
um homem, com um anel no dedo.
Pega o anel e o coloca no próprio
dedo. E, para sua surpresa, percebe
que a joia lhe dá a faculdade de se
tornar invisível.
Com esse poder, Giges passa a
cometer uma série de delitos: seduz a rainha, mata o soberano,
usurpa o poder. O mito desvenda,
assim, a propensão humana a praticar atos condenáveis quando há a
certeza da invisibilidade. Impossível não pensar nisso diante do mais
novo escândalo nacional, envolvendo o governador de Brasília.
Repetem-se comportamentos
-mudando apenas os nomes e os
partidos- e fica evidente que a visibilidade dos atos públicos, a tão
decantada transparência, somada
a ações exemplares de punição ao
mau uso do dinheiro do contribuinte, é o melhor caminho para
inibir a corrupção e constranger
atos ilegais e imorais. Quando não
temos processos consolidados que
permitam o acompanhamento e o
controle social, a corrupção, que se
nutre da doentia obsessão pelo poder em si mesmo, ganha espaço e
desenvoltura.
Infelizmente, ainda se entende o
controle social como algo que atrapalha, empata. Atrapalha o quê e a
quem? Seguramente, não a população e o interesse público, como estamos cansados de ver.
A corrupção política, envolvendo
agentes públicos e privados, deteriora as instituições e rouba da sociedade o seu espaço de escolha, de
realização de objetivos comuns e
de solução de problemas dentro de
regras democráticas. É a sombra
que acompanha a história brasileira e hoje atinge o paroxismo.
A política se descolou da sociedade e atua movida por suas próprias
razões e interesses, o que não leva e
nunca levará a atos eticamente
aceitáveis, mesmo que muitos deles não estejam tipificados em lei
como crimes.
Nossa tarefa é a de identificar, na
política, onde estão os anéis de Giges e destruí-los. No caso de Brasília, não penso que se deva tripudiar
ou correr para tirar proveito político da desgraça que, a rigor, é da cidade. Não cabe vingança, mas sim
justiça, para retomar o primado do
interesse coletivo. Mas isso não esgota o assunto.
O risco está aí, no modelo de financiamento de campanhas, na
tendência a mostrar o mínimo possível das entranhas da gestão pública, na pouca disposição a enterrar os privilégios que alimentam a
fogueira da corrupção. O projeto de
iniciativa popular conhecido como
Ficha Limpa ainda está patinando
no Congresso, o que é um mau sinal. Não é este o momento emblemático de aprová-lo?
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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