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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo deve centralizar a venda de energia?
SIM
Energia para todos
ILDO SAUER
O governo deve reorganizar o setor elétrico, a fim de articular o desenvolvimento das forças produtivas
em benefício do país. A abstenção do
governo FHC de gerir a energia, entregando-a à regência do "mercado", causou o brutal racionamento -que se deu
sob condições hidrológicas normais.
Hoje o Brasil não tem política energética, perdeu sua capacidade de planejamento e estava perdendo a grande vantagem comparativa da hidroeletricidade. Há oito anos não há regulamentação
estável, indefinições fundamentais persistem, empresas geradoras têm prejuízos e distribuidoras se dizem quebradas. Tudo isso apesar de essas empresas
não terem feito os investimentos necessários e terem suas tarifas reajustadas
muito acima da inflação. A receita adicional devida aos aumentos acima da
inflação é calculada em mais de R$ 13 bilhões! Eis o grande atrativo do atual modelo. Tanto famílias estão reduzindo
seu conforto como as atividades produtivas estão perdendo competitividade.
A quem serve esse modelo?
Esse modelo energético de alto risco
foi deslegitimado técnica e politicamente, visto que todos os candidatos a presidente propugnaram sua mudança. Se
fosse totalmente implantado, o resultado seria ainda pior, pois a escalada das
tarifas atingiria também as empresas
geradoras de eletricidade, ainda estatais. A privatização das geradoras estatais tenderia a duplicar o preço de sua
energia, que passaria a ser negociada a
preços de mercado, dados pelo custo
das novas usinas, termelétricas a gás
-cerca de US$ 40 por MWh.
Houve falta de investimento -o que
causou o racionamento- porque esse
modelo maximiza a percepção dos riscos do investidor, que passa a exigir
maiores taxas de retorno, onerando a
energia. Internacionalmente, aumentam as dúvidas quanto à viabilidade da
competição no caso da energia elétrica,
produto homogêneo, com altos custos
fixos e dependente de afluências hidrológicas, que variam no tempo. Mais,
desconfia-se da capacidade de auto-regulação, pelo mercado, para viabilizar a
expansão dos sistemas elétricos.
Em nosso sistema elétrico os preços
dependem fortemente da hidrologia
(chuvas), gerando riscos que afetam todos os contratos, mesmo os de longo
prazo. Nessa realidade, um regime de
competição de curto prazo fica assemelhado a um jogo de apostas, e não se
presta a orientar os investimentos do setor, que são elevados e com longos prazos de retorno. O modelo vigente não
atende e não será capaz de atender às
necessidades do setor elétrico brasileiro.
A competição deve ser promovida onde ela beneficie a sociedade; a atual
competição no mercado (pelo kWh já
produzido) deve ser mudada para competição pelo mercado (pelo novo kWh
advindo da expansão do sistema). Os
riscos hidrológicos e comerciais seriam
assumidos, de modo racional e cooperativo, por um condomínio do tipo
"comprador majoritário" (que não é
um comprador único), operado por
uma empresa pública com modelo de
gestão apropriado -seu caixa seria administrado por uma Câmara de Liquidação e Custódia com plataforma operacional de um grande banco. O condomínio seria o dono da energia e da água;
o investidor seria contratado apenas para construir ou operar as instalações.
Sua capacidade empresarial seria direcionada para a busca de um pacote de financiamento mais barato, melhor projeto de engenharia, melhor gerência e
engenharia de construção, de operação
e manutenção.
Portanto uma competição voltada a
menores custos e direcionada aos investimentos, indicados por um sistema de
planejamento de longo prazo. O plano
de expansão elaborado no âmbito do
setor seria submetido à contestabilidade pública. O programa resultante seria
licitado pelo critério de menor custo,
para operar sob o regime de serviço público, pelo prazo necessário à recuperação do investimento em sua vida útil.
O mercado atacadista seria residual,
organizado e custeado pelos próprios
agentes, e o operador do sistema racionalizaria seus custos, assumindo um caráter público, menos sensível a pressões
econômicas. O governo, via Conselho
Nacional de Energia e Águas e Ministério de Minas e Energia, deve reassumir o
papel de órgão central de formulação de
políticas públicas e planejamento, viabilizando capacitação estratégica. As
agências reguladoras devem ser fortalecidas e democratizadas, suas funções
-restritas à fiscalização dos contratos
de concessão e da qualidade dos serviços- devem ser descentralizadas, no
que for viável, para os Estados e abertas
às diversas formas de controle social.
O modelo proposto permite a existência de produtores independentes e de
consumidores livres que queiram adquirir sua energia. Ele apenas previne
que aquela parte da sociedade que não
pode agir dessa forma fique refém dos
especuladores. Não se propõe a estatização, mas a organização de um condomínio disciplinado pelo governo, com
garantias colaterais para redução dos
riscos e aumento da eficiência.
Não deve haver preconceito contra a
iniciativa privada nem contra o disciplinamento governamental. O importante
é que o sistema elétrico funcione.
Ildo Sauer, engenheiro, professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP, é diretor
de Gás e Energia da Petrobras.
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