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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo deve centralizar a venda de energia?
NÃO
Pool: trilha em areia movediça
PAULO LUDMER
A ministra de Minas e Energia,
Dilma Rousseff, vem desenvolvendo em conjunto conosco e agentes do
setor elétrico brasileiro um esforço para
superar as dificuldades conjunturais e
criar soluções estruturais, simples e
transparentes para retomar, sob novos
paradigmas, o crescimento da oferta.
Entre contribuições que neste fórum
afloram está o modelo feito por uma
equipe da USP, sob o timbre de Ildo
Sauer. "Não é o texto do governo",
anuncia com presteza e prudência a ministra Rousseff.
Logo na primeira página do documento da USP, em que Sauer trata dos
antecedentes, aparece a imprecisão metodológica, pois refere-se ao modelo "liberalizante" do governo FHC como
"implementado". Ora, a sociedade sabe
que o governo findo nem sequer testou
tal modelo, após oito anos de esforços.
O documento de Ildo, ainda aberto a
sugestões, defende a centralização da
venda de energia, tendência provável do
que está por vir no Brasil. Sauer, com razão, quer reduzir riscos regulatórios
porque encarecem os novos investimentos ou os paralisam. Mas é honesto
dizer que os riscos aqui estão desde a
Constituição de 1988, depois da qual nenhum novo modelo, redondo, completo, foi concluído. A velha face anterior a
88 deve ser evitada: planejamento centralizado pautado pela produção (e não
pelo consumo); intervencionismo e
presença do Estado nos ativos do setor;
regulação nas rédeas do Poder Executivo; verticalização; tarifa pelo custo. Um
filme que se viu e, a rigor, queimou.
Queimou sob tarifaços inúteis, sob
ineficiências e ineficácias extremadas,
estéreis injeções no setor pelo Tesouro
(US$ 23 bilhões em 1993), inchaço de
pessoal, gordura nos custos, injunções
políticas nas estatais -dezenas de cadáveres que não vamos exumar, embora os fantasmas não nos abandonem.
Ora, os riscos regulatórios em 2003
continuam porque, se felizes, vamos necessitar de semanas para traçar os contornos do novo modelo. E então deve-se
acertar juridicamente cada passo de
convívio entre os contratos em vigor e
os que se queiram firmar. Portanto a paralisia nos negócios não se desembaraça
num instante.
Nesse contexto, pode ser diversionista
a discussão do controle da propriedade,
pública ou estatal, na compra e venda de
energia em pool. Afinal, sob a ótica do
grande consumidor, interessado em
disponibilidade abundante de energia
elétrica, com qualidade e preços competitivos, se a centralização for inevitável,
que o seja na concepção competitiva de
pulmão garantidor de contratos de longo prazo a empreendimentos que assegurem a expansão do sistema.
Considerando que nenhum modelo é
bom para todos o tempo inteiro, a ineficiência e ineficácia do pool deve ser
combatida e as conquistas do livre acesso, isonomia, agências reguladores fortes e independentes, consumidores livres de fato e outras têm que ser preservadas na máxima extensão.
Não negamos eventuais vantagens do
pool, mas nos preocupam suas perversas desvantagens. O pool centralizado e
rígido, diante de oferta e demanda descasadas, absorverá e pagará pelo excesso de capacidade e por uma reserva térmica compatível com o crescimentos
do consumo inesperado. Assim, mais
custos irão ao consumidor em desfavor
da competitividade da economia brasileira, pois energia é objeto de governança sistêmica e integrada.
Se o pool for estatal, como parece inevitável, o risco das distribuidoras inadimplentes e a crescente necessidade de
garantias para a construção de nova geração e transmissão esbarrarão no alto
custo de crédito do Brasil e nos limites
de financiamento do governo.
A eventual desconfiança na credibilidade do pool para intermediar com sucesso os contratos de compradores e
vendedores (vide o que ocorreu no
MAE, o Mercado Atacadista de Energia), bem como incertezas sobre as garantias, poderão afastar os investidores
privados, num momento em que o governo vê comprometidas pela inadimplência das distribuidoras as receitas
das geradoras estatais (que deverão,
teoricamente, responder por importantes investimentos).
Tudo isso sem consenso, mais a minimalização do MAE e da Aneel, facilmente conduzirá o país a uma ampla
batalha legal e um prolongado impasse
regulatório. Veja-se que o Banco Mundial considera o pool, com apelo popular, ainda mais prejudicial e perigoso
em países em desenvolvimento.
A ministra Dilma Rousseff está consciente e sensata: "O que vamos fazer terá que ter a máxima durabilidade possível". Ela busca uma medida muito consistente, que não transmita insegurança
ao investidor ou qualquer política discricionária. Por isso, a definição do novo modelo será, sob sua determinação,
negociada. E é nisso que nos empenhamos. Porquanto cremos, como o governo, que o Brasil tem de dar certo.
Paulo Ludmer, 58, engenheiro e jornalista, é professor de comunicação da Faap e diretor-executivo da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia).
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