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São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Como avaliar o governo Lula

Avaliar a primeira fase do governo Lula é definir a reorientação do debate nacional de que precisamos. A avaliação precisa ser implacável: não coonestar o fatalismo nem transigir com a descrença. E deve ser magnânima: não atribuir apenas ao governo defeitos que refletem os limites não superados do país.
As maiores virtudes do governo Lula são a honestidade e a prudência. Não convém subestimar o valor do esforço para desfazer o conúbio entre o poder e o dinheiro. Há tempo que o Brasil não tem governo tão livre de bandidos. Duas iniciativas são necessárias para institucionalizar esse avanço: o financiamento público das campanhas eleitorais e o abandono pelo Estado de seu papel de garantidor implícito de qualquer grande negócio. Se o governo não conseguir mudar o Brasil, que pelo menos crie, por meio dessas reformas, condições para que o Brasil possa mudar-se por si mesmo.
A exceção decisiva ao compromisso com a honestidade é o aliciamento da mídia por meio da distribuição das verbas de propaganda oficial. Não é exagero chamar de corruptora e liberticida essa atuação, ainda mais fatal para a imprensa que não a revela do que para o governo que a comete.
A cautela do governo Lula reforçou sua boa-fé. Entendeu a importância de resguardar a estabilidade monetária, o realismo fiscal e a abertura comercial criteriosa. Evitou regressões e aventuras.
O defeito básico do governo Lula é sua mediocridade continuísta, imprópria para país com o potencial e com os problemas do Brasil. De tanto se excederem no "marketing", no entendimento com os empresários e na cooptação das forças políticas, acabaram os novos governantes por não saber o que fazer. O vazio aberto pela falta de projeto foi preenchido pela primazia atribuída à confiança financeira (portanto à sua agenda de reformas) e ao socorro humanitário.
É opção ruinosa sob dois aspectos. Em primeiro lugar, porque esvazia a democracia e semeia o cinismo: Lula foi eleito para substituir a orientação que se dedica a aperfeiçoar. Em segundo lugar, porque não pode funcionar. É estratégia com dois desfechos; difícil saber qual o pior. Se a economia mundial se acalmar, o Brasil vegetará em crescimento baixo, incapaz de multiplicar empregos e oportunidades no ritmo necessário. Se as economias centrais afundarem em recessão, o Brasil cairá em crise. Não há país grande que tenha conseguido, na história contemporânea, escapar do atraso por meio do rumo que nos indicam como o único realista. Mesmo países pequenos só o fizeram recorrendo a heresias excluídas pela doutrina do bom comportamento a que nos entregamos.
Todo o Brasil é co-responsável, com o governo, por esse malogro. Não enriquecemos o debate nacional com a demarcação de alternativas práticas. Os quadros mais preparados da nação foram mentalmente colonizados; os outros não sabem por onde começar.
A solução é perseverar. Persistir no pensamento, organizando ideário que ofereça ao país a alternativa produtivista e democratizante que ele continua a buscar. E persistir na política, tentando, mais uma vez, construir a força consistente de centro-esquerda que o PMDB, o PSDB e o PT deixaram, sucessivamente, de ser. Esse é o caminho - estreito e exigente - para derrotar Lula e o PT em 2006 em nome dos compromissos que Lula e o PT dedicam 2003 a violar. Começar tudo de novo? Sim, tudo de novo.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www. law.harvard.edu/unger


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