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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Como avaliar o governo Lula
Avaliar a primeira fase do governo Lula é definir a reorientação do debate nacional de que precisamos. A avaliação precisa ser implacável: não coonestar o fatalismo nem
transigir com a descrença. E deve ser
magnânima: não atribuir apenas ao
governo defeitos que refletem os limites não superados do país.
As maiores virtudes do governo Lula são a honestidade e a prudência.
Não convém subestimar o valor do esforço para desfazer o conúbio entre o
poder e o dinheiro. Há tempo que o
Brasil não tem governo tão livre de
bandidos. Duas iniciativas são necessárias para institucionalizar esse avanço: o financiamento público das campanhas eleitorais e o abandono pelo
Estado de seu papel de garantidor implícito de qualquer grande negócio. Se
o governo não conseguir mudar o
Brasil, que pelo menos crie, por meio
dessas reformas, condições para que o
Brasil possa mudar-se por si mesmo.
A exceção decisiva ao compromisso
com a honestidade é o aliciamento da
mídia por meio da distribuição das
verbas de propaganda oficial. Não é
exagero chamar de corruptora e liberticida essa atuação, ainda mais fatal
para a imprensa que não a revela do
que para o governo que a comete.
A cautela do governo Lula reforçou
sua boa-fé. Entendeu a importância
de resguardar a estabilidade monetária, o realismo fiscal e a abertura comercial criteriosa. Evitou regressões e
aventuras.
O defeito básico do governo Lula é
sua mediocridade continuísta, imprópria para país com o potencial e com
os problemas do Brasil. De tanto se excederem no "marketing", no entendimento com os empresários e na cooptação das forças políticas, acabaram os
novos governantes por não saber o
que fazer. O vazio aberto pela falta de
projeto foi preenchido pela primazia
atribuída à confiança financeira (portanto à sua agenda de reformas) e ao
socorro humanitário.
É opção ruinosa sob dois aspectos.
Em primeiro lugar, porque esvazia a
democracia e semeia o cinismo: Lula
foi eleito para substituir a orientação
que se dedica a aperfeiçoar. Em segundo lugar, porque não pode funcionar. É estratégia com dois desfechos;
difícil saber qual o pior. Se a economia
mundial se acalmar, o Brasil vegetará
em crescimento baixo, incapaz de
multiplicar empregos e oportunidades no ritmo necessário. Se as economias centrais afundarem em recessão,
o Brasil cairá em crise. Não há país
grande que tenha conseguido, na história contemporânea, escapar do atraso por meio do rumo que nos indicam
como o único realista. Mesmo países
pequenos só o fizeram recorrendo a
heresias excluídas pela doutrina do
bom comportamento a que nos entregamos.
Todo o Brasil é co-responsável, com
o governo, por esse malogro. Não
enriquecemos o debate nacional com
a demarcação de alternativas práticas.
Os quadros mais preparados da nação
foram mentalmente colonizados; os
outros não sabem por onde começar.
A solução é perseverar. Persistir no
pensamento, organizando ideário que
ofereça ao país a alternativa produtivista e democratizante que ele continua a buscar. E persistir na política,
tentando, mais uma vez, construir a
força consistente de centro-esquerda
que o PMDB, o PSDB e o PT deixaram, sucessivamente, de ser. Esse é o
caminho - estreito e exigente - para derrotar Lula e o PT em 2006 em
nome dos compromissos que Lula e o
PT dedicam 2003 a violar. Começar
tudo de novo? Sim, tudo de novo.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www. law.harvard.edu/unger
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