São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O risco da mixórdia agrária
JOSÉ DE SOUZA MARTINS
São eles os primeiros a comprometer e desmoralizar o direito de propriedade. Esse é o pólo enfermo da realidade agrária, em nome do qual toda sorte de violência é cometida contra populações pobres e indefesas. É na defesa dessa anomalia que pistoleiros matam trabalhadores. Ainda temos ilhas perversas de poder pessoal, da justiça privada se sobrepondo à Justiça pública e institucional, e muitos reagindo como se essa fosse uma questão menor. De outro lado, a reforma agrária tem como inimigos aqueles que a têm como pretexto para lograr e impor ao país inteiro reformas "estruturais" e "profundas" que não são de consenso, sem debatê-las pelas vias legais e políticas com toda a sociedade para demonstrar a legitimidade de sua opção. Sobretudo sem demonstrar sua viabilidade e sua necessidade históricas. Optaram por consertar no berro as injustiças do passado, mais do que por construir a sociedade justa do presente e do futuro. Reformas para demolir o modelo econômico, que não agrada a eles e não agrada a muitos brasileiros, como se a derrogação do modelo econômico fosse um trocar de cuecas, a vermelha no lugar da branca. São aqueles que se recusam ao diálogo, que empurram a questão da terra para o centro da conflitividade política e depois se retiram sem optar, sem participar da busca de soluções, sem assumir a devida e pública responsabilidade pelo que nos impuseram e sem assumir a responsabilidade pelo que fazem e querem. São grupos de ação política, mas não de representação e negociação. E aí está o seu bloqueio, que pode se converter em bloqueio do governo. No programa da candidatura presidencial, o partido falava no assentamento de 1 milhão de famílias. As diferentes facções das hostes partidárias desdenhavam as cerca de 600 mil famílias que foram assentadas ou tiveram sua posse da terra regularizada no governo de FHC. Há poucos dias, visitando um assentamento que resultou de compra, e não de desapropriação, o presidente da República explicou que seu objetivo não será assentar mais, e sim assentar melhor. Recua, portanto. Ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda contingencia as verbas da reforma agrária e inviabiliza não só o "mais" como o "melhor". De um lado e de outro das facções que se polarizam, no confronto que nos arrasta para o perigo de enfrentamentos sem retorno no campo, o que temos é o confronto entre civilização e barbárie, ambos optando pela barbárie e solapando o espaço para que o presidente atue como magistrado, que é o que lhe cabe. Que o PT não tenha recebido o mandato de revolucionar as instituições fundamentais do país não dispensa o país de agir democraticamente no sentido de atualizar e resolver aquilo que traz inquietações sociais, difunde injustiças, bloqueia o desenvolvimento econômico e social e preserva o risco de conflitos e convulsões que ferem as intenções e os interesses da maioria, senão de todos. Nessa questão é sobretudo necessário evitar o "governo zero". José de Souza Martins, 64, é professor titular do Departamento de Sociologia da USP e autor, entre outras obras, de "Os Camponeses e a Política no Brasil" (ed. Vozes). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Lúcio Alcântara: Legenda oculta, inclusão explícita Índice |
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