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São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Legenda oculta, inclusão explícita

LÚCIO ALCÂNTARA

Na televisão do Brasil, ela ainda é uma tímida novidade. Já na TV da Europa, do Canadá e dos EUA, a chamada legenda oculta, ou "closed caption", é uma realidade largamente difundida, disponível em praticamente toda a programação -telejornais, programas infantis, filmes, seriados, atrações do horário nobre. O telespectador aciona uma tecla no controle remoto e, no rodapé do vídeo, sincronizada à imagem, aparece a versão escrita, gerada pelas emissoras, do conteúdo principal da programação.
Quando senador, apresentei projeto de lei que previa a obrigatoriedade da inclusão da legenda oculta na programação das redes de TV brasileiras, bem como uma cota mínima de aparelhos de televisão com circuito de decodificação do "closed caption" no país. Com exceção de comerciais, programas ao vivo, filmes produzidos originalmente em língua estrangeira e, óbvio, números musicais instrumentais, o projeto determinava a utilização desse recurso de tecnologia digital, estabelecendo regras para sua implementação gradativa.
Assim, no primeiro ano após a lei entrar em vigor -sempre ressalvados os casos acima citados-, 10% da programação diária da tevê brasileira teria que dispor do "closed caption". A cada ano subsequente, mais 15% das atrações televisivas passariam por idêntico processo, até atingir toda a programação.
Em todo o mundo, a legenda oculta foi concebida como uma forma eficaz de possibilitar aos portadores de deficiência auditiva o acesso maior à informação e, por consequência, ao melhor exercício da cidadania. Trata-se, sem dúvida, de uma poderosa ferramenta de inclusão social, capaz de reduzir um largo e histórico fosso de desigualdades.
Incapazes de acompanhar aquilo que para a maioria da população é um ato corriqueiro -assistir a um simples telejornal, por exemplo-, os deficientes auditivos tendem a ser relegados a uma eterna e injusta posição de impotência política, condenados à condição de cidadãos de segunda categoria.
Para os deficientes auditivos, portanto, receber as mesmas informações que são oferecidas aos demais cidadãos -e ao mesmo tempo- seria, no mínimo, uma forma de ajudar a superar a cruel exclusão provocada pelo desconhecimento ou, quando menos, pelo atraso do conhecimento de que são vítimas.


Os deficientes auditivos tendem a ser relegados a uma eterna e injusta posição de impotência política


No Brasil, segundo dados da OMS, estima-se que existam hoje mais de 2,5 milhões de surdos e cerca de 13 milhões de pessoas portadoras de deficiências auditivas. Os beneficiados pela introdução da legenda oculta na TV representariam, desse modo, um contingente bastante significativo de nossa população.
Poder-se-ia argumentar que uma simples ampliação, na programação televisiva, do uso da linguagem de sinais já apontaria o caminho para uma possível solução do problema. No entanto, apesar de extremamente louvável, tal técnica não responde por completo às necessidades de boa parte dos deficientes auditivos. Afinal, a linguagem de sinais requer, por sua complexidade específica, um longo processo de aprendizagem. Assim, para os que sofreram uma perda auditiva mais tardiamente, torna-se difícil investir o tempo necessário para sua aquisição. E, como esse modelo de comunicação exige uma atenção total e ininterrupta dos interlocutores, quando transmitido pela TV, tende em poucos minutos a se tornar extremamente cansativo, mesmo para os que já dominam a técnica com razoável desenvoltura.
Além de sua inegável importância para a inclusão social dos deficientes auditivos, a legenda oculta acabou revelando-se também um relevante recurso pedagógico. Nesse sentido, ela tem beneficiado um número incalculável de pessoas nos países em que foi sistematicamente adotada.
Para estudantes do nível fundamental, a legenda oculta tende a redobrar a atenção para o uso correto da ortografia, a ampliar o vocabulário e a desenvolver a capacidade de compreensão da leitura. Como ganho cognitivo adicional, a aquisição de novos conceitos também é favorecida, através da apresentação multissensorial -imagem, linguagem oral e palavra escrita, simultaneamente- das informações que são oferecidas aos pequenos telespectadores em fase de alfabetização.
Já para os estrangeiros e imigrantes que entram em contato com uma nova língua, o recurso do "closed caption" mostra-se igualmente um auxílio eficiente na aquisição, ampliação e fixação de vocabulário. Junte-se a isso a utilidade complementar que a tecnologia da legenda oculta trará nas situações em que o som da TV tenha de ser reduzido, como em hospitais ou em locais de alto nível de ruído, a exemplo de aeroportos, restaurantes e academias.
Mas, sem dúvida, os grandes beneficiados com a medida serão mesmo os milhões de deficientes auditivos do país. Foi inspirado neles que nasceu o projeto, devidamente aprovado pelo Senado em 2000 e, desde setembro do ano seguinte, aguardando parecer na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara Federal.
E é também em nome deles, os deficientes auditivos, que a idéia precisa ser recolocada, o quanto antes, na ordem do dia. É uma questão de garantir o direito comum à informação.

Lúcio Alcântara, 60, é governador, pelo PSDB, do Ceará. Foi vice-governador do Estado (1991-94) e senador da República (1996-2002).


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