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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Malandros e radicais

O governo parece decidido a enquadrar ou expulsar os chamados radicais do PT. Age de acordo com o manual ao fixar o precedente, quando ainda está forte, de que dissidências não serão toleradas. Escolhe uns gatos pingados, cujo quixotismo vem sendo estimulado a golpes de holofote, para servir de aviso aos navegantes. Apóia-se no tão reclamado princípio da fidelidade partidária. Se tem sido incongruente em quase todos os demais quesitos, o governo Lula mantém-se fiel à tradição do PT de unidade na ação. É o argumento a que a cúpula se aferra: todos podem expor seu pensamento e divergir, mas estão obrigados a votar com a maioria. De fato, não se pode clamar por coesão partidária e defender o direito de os "radicais" a violarem no PT. Estes têm um argumento que autoriza, ao menos formalmente, sua atitude. Embora sua posição seja arquiminoritária nas instâncias do partido, ela não contraria a instância máxima, a convenção nacional que se reuniu pela última vez quando o PT ainda era "radical". Os dissidentes revelam, assim, o quanto há de apressado e oportunista na conversão da cúpula à ordem vigente. É estranho, porém, que uma convenção partidária possa se sobrepor à maior das instâncias, aquela que assinou um cheque em branco (como em toda eleição) chamado Lula. Mas não vale perder tanto tempo com a escolástica, tão cara à esquerda, das ortodoxias e dos expurgos. O governo age como todo governo, vide a cooptação da nossa maior legenda de aluguel, o outrora glorioso MDB.
 
As críticas ao período de Fernando Henrique Cardoso como presidente podem se resumir numa: estar a serviço do sistema financeiro. Não se trata de episódios até hoje controvertidos, mas de todo um modelo de política econômica que drena recursos da economia produtiva para a especulação. Tal modelo concentrou renda, quebrou empresas, fez desemprego e desnacionalizou a economia.
Basta dizer que, em oito anos de mandato, a economia cresceu 2,4% ao ano, enquanto o lucro dos bancos -de 95 a 2002- cresceu simplesmente 275%, indo de R$ 5,7 bilhões a R$ 21,4 bilhões. Baseada na atração de capitais oportunistas, a política econômica de FHC manteve os juros entre os mais altos do mundo. Paralisou o crescimento e puniu os que se dispuseram a investir.
Quem formulava essas críticas na época (e não foram poucos) ouvia a resposta de que seus argumentos eram anacrônicos. O governo colocava o país nos trilhos da economia moderna de mercado, capaz de adaptar-se, depois de um período sempre chamado de "ajuste", e sempre renovado, à competição internacional. Os críticos eram caipiras, neobobos, atrasados.
Como num gesto de escárnio final, Pedro Malan, o responsável por essa política, aparece agora como vice-presidente de um dos maiores bancos do país. Com o remendo tributário, o governo vai aumentar a arrecadação em cerca de 10%. Os bancos serão mais tributados, sim, mas de forma que possam repassar o custo aos preços. Tributar inativo, tudo bem; o que não pode é tributar os lucros dos bancos.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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