|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Cultura e culturas
RIO DE JANEIRO - Numa espécie de discussão entre Mussolini e o papa
Pio 11, logo após o Tratado de Latrão,
de 1929, o ditador disse tantas e boas,
prometeu céus nas alturas e paz aos
fascistas e católicos de boa vontade.
Como resposta, o papa apenas comentou: "Perdemos o sentido das palavras".
Não deu outra. O papa morreu em
1939, veio a guerra no mesmo ano,
Pio 12 foi eleito, Mussolini aliou-se a
Hitler. Após perder o sentido das palavras, o mundo perdeu a paz.
De uma certa forma, tudo começou
com a corrupção semântica, as palavras significavam uma coisa ou outra, conforme as circunstâncias. Pureza racial significava genocídio, matar por antecipação era autodefesa
-tal como agora aconteceu na guerra no Iraque.
Bem, esse blablablá introdutório,
citando exemplos históricos e transcendentais, é apenas para estranhar
o uso da palavra "cultura" no recente
debate entre o governo e cineastas.
Usou-se a abusou-se dessa palavra,
que, na realidade, passou a ser sinônimo de cinema.
Tudo bem. Cinema, segundo um
slogan dos exibidores, é ainda a melhor diversão. E, segundo os cineastas, é a cultura, ou pelo menos a manifestação cultural mais importante
para que o povo tenha acesso aos valores mais altos da humanidade.
Nada contra o cinema. Um filme de
Eisenstein ou da Xuxa é cultura. Mas
existem outras manifestações culturais importantes, como a escola, as
bibliotecas, os centros de estudos das
ciências aplicadas, como a medicina,
o direito, a engenharia, sem esquecer
os de ciência não aplicada, como a filosofia e a história, para dar dois
exemplos.
É justo que o cinema, que não pode
viver só de bilheteria (o certo seria isso), reivindique financiamentos e
vantagens governamentais para a
sua produção. Mas não precisa pleitear uma hegemonia que algumas
vezes parece uma distorção cultural.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Lula mais, governo menos Próximo Texto: Otavio Frias Filho: Malandros e radicais Índice
|