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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Cultura e culturas

RIO DE JANEIRO - Numa espécie de discussão entre Mussolini e o papa Pio 11, logo após o Tratado de Latrão, de 1929, o ditador disse tantas e boas, prometeu céus nas alturas e paz aos fascistas e católicos de boa vontade. Como resposta, o papa apenas comentou: "Perdemos o sentido das palavras".
Não deu outra. O papa morreu em 1939, veio a guerra no mesmo ano, Pio 12 foi eleito, Mussolini aliou-se a Hitler. Após perder o sentido das palavras, o mundo perdeu a paz.
De uma certa forma, tudo começou com a corrupção semântica, as palavras significavam uma coisa ou outra, conforme as circunstâncias. Pureza racial significava genocídio, matar por antecipação era autodefesa -tal como agora aconteceu na guerra no Iraque.
Bem, esse blablablá introdutório, citando exemplos históricos e transcendentais, é apenas para estranhar o uso da palavra "cultura" no recente debate entre o governo e cineastas. Usou-se a abusou-se dessa palavra, que, na realidade, passou a ser sinônimo de cinema.
Tudo bem. Cinema, segundo um slogan dos exibidores, é ainda a melhor diversão. E, segundo os cineastas, é a cultura, ou pelo menos a manifestação cultural mais importante para que o povo tenha acesso aos valores mais altos da humanidade.
Nada contra o cinema. Um filme de Eisenstein ou da Xuxa é cultura. Mas existem outras manifestações culturais importantes, como a escola, as bibliotecas, os centros de estudos das ciências aplicadas, como a medicina, o direito, a engenharia, sem esquecer os de ciência não aplicada, como a filosofia e a história, para dar dois exemplos.
É justo que o cinema, que não pode viver só de bilheteria (o certo seria isso), reivindique financiamentos e vantagens governamentais para a sua produção. Mas não precisa pleitear uma hegemonia que algumas vezes parece uma distorção cultural.


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