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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Viva a SBPC viva

ENNIO CANDOTTI

A SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) é uma sociedade científica aberta, que congrega cientistas e estudantes, leigos e eruditos, cidadãos que estão interessados no progresso e na difusão da ciência, da educação e da cultura. Em uma época marcada por forte tensão entre ciência e sociedade, em que os avanços de C&T (ciência e tecnologia) são instrumentos de solidariedade e de poder, ao mesmo tempo em que despertam intensos temores e esperanças, cabe à SBPC mediar conflitos e defender os caminhos da democracia e do entendimento para resolvê-los.
Apesar dos profundos e persistentes desequilíbrios econômicos e sociais, conhecemos importantes avanços na produção científica de nossos laboratórios, mas concentrados em poucos centros. Renunciamos ao projeto de desenvolvimento nacional mais justo e igualitário.
Construímos importantes universidades e institutos de pesquisa -e mesmo esses hoje atravessam crises devastadoras-, mas abandonamos a idéia de que deveríamos criar em todos os Estados boas universidades, bons institutos, capazes de fixar localmente os jovens e de pensar de modo harmonioso tanto as questões do conhecimento como os problemas do nosso país e da sua própria região. Comprometemos, assim, os equilíbrios políticos que cimentam a própria unidade nacional.
No Congresso, a permanente ação da SBPC para corrigir esses descaminhos começa a encontrar tênue eco. Ainda são poucos, porém, os congressistas que se sentem comprometidos com os destinos das universidades e institutos. Para C&T, os recursos devem ser destilados gota a gota. Há anos repete-se a peregrinação da SBPC e das sociedades científicas ao Congresso e aos ministérios em busca de participação mais efetiva na definição das políticas de C&T.
Por que aprovar recursos que acabam fortalecendo o desenvolvimento em C&T de um número reduzido de Estados? É uma pergunta e também uma resposta muito comum no Congresso. Lá, há anos, dizem que é preciso aprender a tecer a teia que une Brasília aos poderes estaduais e mesmo municipais, onde os políticos -e a sociedade- têm raízes e interesses mais visíveis e vitais.


Falta determinação nas políticas de governo que definam as responsabilidades centrais e estaduais em C&T


O artigo 218, par. 5º, da Constituição faculta aos Estados vincular parte de sua receita a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica. Sinaliza assim o caminho da participação dos Estados na articulação da política de C&T com o governo e dá-lhe os instrumentos de ação. Mas raros são os Estados que honram os compromissos de repasse dos recursos às fundações de apoio à pesquisa e ensino que a Constituição -e a ação da SBPC-possibilitou criar em muitos deles.
Falta determinação nas políticas de governo que definam as responsabilidades centrais e estaduais em C&T. Não há clareza em muitos governos estaduais sobre o significado desses investimentos para, por exemplo, a própria qualidade das políticas públicas. Caberá à SBPC responder a essas incertezas.
Devemos reconhecer, porém, que na relação entre a ciência e a sociedade não são apenas as universidades e os institutos de pesquisa os grandes articuladores; é preciso lembrar que o ensino médio público é responsável pela educação da grande maioria da população (que lá chega...). É no ensino médio -hoje em estado calamitoso- que se educa a sensibilidade e o espírito público que permitem ao cidadão distinguir, nos progressos de C&T, riscos e benefícios.
A SBPC deverá dedicar maior atenção a essa questão. Estar mais presente nas discussões das soluções para mais esse desafio, também nacional. Urgente. Soluções e diagnósticos existem, a começar pela simples observação de que os professores, para sobreviver, não podem dar 50 horas-aula por semana e ainda se preparar com o rigor que o ensino das ciências e das artes exige! De pouco servem os enormes esforços da própria SBPC em produzir textos e artigos primorosos de divulgação científica em suas revistas, se os professores não têm tempo para ler e estudar.
A SBPC defronta-se constantemente com caminhos que sucessivamente se bifurcam; deve percorrer um para responder aos desafios que outro lhe coloca. Para sensibilizar o Congresso Nacional nas questões da universidade pública e de C&T, devemos ganhar o apoio da opinião pública, mas esta não nos acompanha quando escrevemos e falamos. Reclama que pouco contribuímos para pensar uma nova escola.
De fato, as universidades dedicaram seus melhores talentos à pós-graduação e, quando possível, à pesquisa. Formamos, sim, 6.000 doutores por ano, um número notável, mas ainda insuficiente para as demandas de um país que deseja competir no cenário internacional. E dele nos orgulharíamos se os nossos novos -e nem tão novos- doutores não estivessem de pires na mão à procura de emprego.
Ao mesmo tempo faltam professores e concursos na maioria das universidades de Estados menos centrais. Esta incoerência é, sem dúvida, o problema mais grave com que o governo e a sociedade, e não apenas a SBPC, defrontam-se no campo da política de C&T.
E, finalmente, encontro um último exemplo -eloquente- da função da SBPC, de suas ações e dilemas, em um editorial de poucas semanas atrás nesta mesma Folha, dedicado aos fundos setoriais (21/4, pág. A2). Corremos o risco de perder uma fonte importante de recursos novos para a área. Eles devem ser defendidos, apesar de nossa firme e antiga opinião de que a gestão desses fundos deve ser repensada e uma parcela dos seus investimentos, maior do que a atual, deveria ser destinada à pesquisa fundamental em todas as áreas.
Em um país com imensos conflitos e disparidades, todo governo deve usar com rigor os recursos públicos. Cabe no entanto à SBPC "fiscalizar os fiscais" e, como o herói da tragédia clássica, decidir entre dois males qual o menor, com a sabedoria que sua história lhe legou.
Esses são alguns dos pontos e exemplos que justificam a minha candidatura à Presidência da SBPC e que orientam o programa de ação que elaborei com Dora Fix Ventura (USP), José Vicente Tavares dos Santos (UFRGS), Osvaldo A. Brazil E. Sant'Anna (Inst. Butantan), Maria Célia Pires Costa (Uema), Tarcisio Pequeno (UFCe), Thyrso Villela (Inpe), José Eduardo Cassiolato (UFRJ) e Keti Tenenblat (UNB), também candidatos à Diretoria da SBPC. É com eles que pretendo realizar as propostas apresentadas e trabalhar com harmonia e serenidade.

Ennio Candotti, professor do Departamento de Física da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), é presidente de honra da SBPC. Foi presidente da sociedade de 1989 a 1993.


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