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TENDÊNCIAS/DEBATES
O livro no tempo da mundialização
BETTY MILAN
Pelas trocas que gera, a mundialização tem um efeito benéfico. Por
tratar os bens culturais como os outros
todos, acaba invariavelmente impondo
a cultura da economia mais forte.
O conceito de diversidade cultural
surgiu para se opor a esse efeito e deu
origem a uma política que não nega o
mercado, porém nele introduz os bens
culturais com "discernimento". Noutras palavras, essa política protege o gene da criação artística e intelectual.
Os primeiros que a estruturaram foram os canadenses, criando, em 1998,
uma rede para reunir os profissionais
de todos os setores da cultura -teatro,
cinema, televisão, música e literatura.
Três anos mais tarde, a experiência se
abriu para os profissionais estrangeiros
e, hoje, a rede existe também na Argentina, Austrália, Chile, Coréia, França,
México e Nova Zelândia.
Em fevereiro de 2003, 300 organizações profissionais, oriundas de 35 países, reuniram-se em Paris para reafirmar o ideário da diversidade cultural e
elaborar um tratado que a reconheça
como o fundamento jurídico do direito
de cada nação a desenvolver livremente
a sua política cultural. Trata-se de uma
meta ambiciosa de que o futuro do livro
depende, porque sem a diversidade ele
não existe. "Isso vale para a criação,
porque qualquer um pode se tornar autor, e a escrita não é apanágio de ninguém. Vale para a edição, que conta
com a aparição contínua de novas editoras, ainda que a concentração tenha se
tornado um dado fundamental da economia editorial. Vale, enfim, para a produção do livro. Assim, em 2001, menos
de 700 filmes foram produzidos na Europa, enquanto mais de 400 mil obras
novas foram editadas." (Jean Sarzana,
na Conferência Européia, em Atenas,
2003).
Sendo um símbolo da diversidade, o
livro é um suporte da nacionalidade.
Pede um editor que está em via de desaparecer. Ou seja, que lê o manuscrito,
por acreditar que precisamos menos de
consumidores do que de cidadãos. Que
defende a literatura, por acreditar que
através dela é possível resistir aos efeitos
descaracterizadores da mundialização.
Que não publica em excesso -por buscar e promover a originalidade.
Traduzir a nossa literatura nas línguas cuja escrita se distancia da oralidade é um grande desafio
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Tal editor sabe perfeitamente que um
grande livro é uma grande oportunidade editorial, além de ser instrumento da
afirmação de um autor e de um povo.
Assim, ele se recusa a publicar o não-livro, evita a "infoxicação" (intoxicação
pelo excesso de informação). Valoriza a
qualidade, e não a quantidade, e sabe
dar à obra o tempo de que ela precisa
para se impor. Procura o texto que se
vende sempre, e não o que se vende logo. Apoiar esse profissional é uma das
metas de qualquer política do livro consequente.
Tão importante quanto esse bom editor é o bom tradutor, que faz um mundo poliglota vigorar, "atravessa as fronteiras sem anexar nada" (Eric Orsenna).
Para apoiá-lo, não basta subsidiar traduções, é necessário dar a ele a possibilidade de conhecer verdadeiramente a
língua a partir da qual traduz e se deixar
tomar pelo ritmo, que o português escrito do Brasil, aliás, privilegia. Porque
do Norte ao Sul, de Leste a Oeste, é a
música que nos transporta, a África que
se impõe. Nós talvez sejamos mais
"amefricanos" que latino-americanos.
Traduzir a nossa literatura nas línguas
cuja escrita se distancia da oralidade
-caso do francês- é um grande desafio. Sem grandes tradutores, nós ficaremos condenados ao nacionalismo literário, "menos nocivo do que o realismo
socialista, mas como ele igualmente estéril" (Octavio Paz). A difusão da literatura brasileira depende sobretudo do
tradutor literário. Sua vocação é indispensável para que o espírito da nossa
cultura se difunda noutras partes do
planeta.
E quem diz tradutor, também diz auxilio à promoção do livro no exterior.
Uma década bastaria para que a nossa
literatura se impusesse fora do Brasil.
Prova disso é a história da literatura
portuguesa na França, que a cada dia se
torna mais pessoana.
Betty Milan, escritora e psicanalista, é autora de "O Clarão" e "A Paixão de Lia", entre outros livros.
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