São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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ANTIAMERICANISMO

O recuo do Planalto no cancelamento do visto do jornalista Larry Rohter, do diário "The New York Times", encerra a comédia de erros em que se transformou o episódio, mas não apaga suas conseqüências deletérias. Entre elas, fica o reforço da percepção de que subsiste uma tendência antiamericanista no governo e em sua política externa. É o que se deduz da defesa de uma tese conspiratória pelo chanceler Celso Amorim, que viu na reportagem o dedo de forças interessadas em abalar a "liderança internacional" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A política externa brasileira, em que pesem gestos extemporâneos, como as constrangedoras bajulações a Fidel Castro, vinha pautando-se, no essencial, por uma atitude firme, mas razoável, de defesa dos interesses do país nos fóruns globais.
Vista como regressiva por alguns, a atuação do Ministério das Relações Exteriores, na realidade, não se transmudou de água em vinho com a troca de governo. Foi na administração Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que se enfrentou os EUA na espinhosa questão da quebra de patentes de medicamentos para conter epidemias como a de Aids.
Da mesma forma, a recente e inédita vitória obtida na Organização Mundial de Comércio (OMC), que reconheceu a contestação brasileira a subsídios oferecidos pelo governo norte-americano a produtores de algodão, foi construída na gestão anterior. Com efeito, esses casos demonstram a existência de algumas linhas de continuidade em relação ao período precedente, embora, sob o petismo, pontuadas aqui e ali por "bravatas" juvenis.
O comando da diplomacia brasileira, não obstante, vinha conseguindo sobreviver às tentativas de identificá-lo como um núcleo ideológico mais interessado em fazer proselitismo contra a grande potência mundial do que em obter conquistas concretas.
Lamentavelmente, foi para endossar essa imagem negativa que serviu o apoio do chanceler Celso Amorim à bisonha decisão, ora revista, de cassar o visto do correspondente.


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