São Paulo, sábado, 15 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O número de vereadores no país deve ser reduzido?

SIM

Democracia, sim; abuso, não

TIÃO VIANA

Não é de hoje que a questão institucional dos Legislativos municipais vem provocando polêmicas na opinião pública. A proliferação desordenada de municípios, a partir da promulgação da Constituição, em outubro de 1988, levou a que o Congresso Nacional adotasse o corretivo da emenda constitucional nº 15, de 1996.
As gastanças com subsídios de vereadores levaram mais tarde à promulgação da emenda constitucional nº 25, de 2000, para que se pusesse um paradeiro nos abusos a comprometer, cada vez mais, as receitas municipais.
O processo eleitoral que se avizinha, para a renovação dos prefeitos e vereadores de todo o país, já está marcado por mais uma celeuma, provocada pela decisão do Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário nº 197.917. Naquela oportunidade, a Suprema Corte deu provimento a apelo do Ministério Público do Estado de São Paulo contra dispositivo da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela, que fixava em 11 o número de vereadores de sua Câmara Municipal. Mira Estrela, segundo dados do IBGE, possui pouco menos que 3.000 habitantes.
Naquela ocasião, seguindo o princípio da proporcionalidade, o STF adotou o entendimento de que os municípios têm direito a um vereador para cada 47.619 habitantes, quando situados na faixa de até 1 milhão de habitantes. Assim, na forma da alínea a, do inciso IV, do art. 29 da Constituição Federal, o número de vereadores de Mira Estrela deveria ser rebaixado para nove. Para municípios que possuam população entre 1 milhão e 5 milhões de habitantes, a relação de representação, consoante entendimento do STF, seria de um vereador para 121.951 habitantes.
Temos hoje no Brasil 60.320 vereadores. Observada a tabela de proporcionalidade do Tribunal Superior Eleitoral, em função da decisão do STF, esse número cairia para 51.252. Na hipótese de o Senado Federal aprovar a PEC nº 7, de 1992, de autoria do ex-deputado Genebaldo Correia (PMDB-BA), o número de vereadores subiria para 65.977. No caso de vir a ser aprovada a PEC nº 353-A, de 2001, de autoria do deputado Augusto Nardes (PP-RS), que ora tramita na Câmara dos Deputados, o número de vereadores no país ficaria em 55.252.
Parece-me claro que se deve assegurar aos municípios a autonomia para que estabeleçam o total de componentes de suas respectivas Câmaras. Esse imperativo decorre do art. 29 da Constituição Federal, que, a meu ver, não pode ser alterado para que essa atribuição seja transferida à Justiça Eleitoral, por força da cláusula pétrea do inciso I, do par. 4º do art. 60, já que os municípios são também entes federativos, nos termos do art. 1º do texto constitucional.
Entretanto autonomia não se confunde com soberania. A Lei Maior, nesse campo, estabelece um critério -o da proporcionalidade, agora explicitado por nossa Corte Constitucional- para que abusos não sejam praticados.
Indo até mesmo mais adiante dos critérios adotados pelo TSE, por meio da resolução nº 21.702, de 2004, à guisa de uniformização do processo eleitoral vindouro, entendo que a aplicação rigorosa da regra de proporcionalidade implicaria fixar o número de nove vereadores para as Câmaras de municípios com até 428.571 habitantes. Melhor teria sido, inclusive, que a Assembléia Nacional Constituinte tivesse possibilitado a democracia direta nos municípios de menor densidade demográfica, nos moldes dos chamados "town meetings" norte-americanos, notadamente na Nova Inglaterra, ou dos Cantões suíços. Mas levar à frente essa tese, no momento, só tumultuaria o processo eleitoral.
Evidentemente, seria hipocrisia de nossa parte atribuir apenas aos Legislativos municipais as mazelas de nosso modelo de representação parlamentar. A prática do nepotismo, dos aumentos de subsídios em causa própria, a reserva de verbas para o assistencialismo de clientela nas Assembléias Legislativas e até mesmo no Congresso Nacional evidenciam estarmos ainda mais vinculados a um sistema oligárquico e patrimonialista do que aos fundamentos republicanos que deveriam orientar nossa práxis política.
Ocorre que as Câmaras de Vereadores são o tema da vez. Qualquer que seja o desfecho, acredito que é hora de envolvermos também nossos edis em uma discussão mais profunda, que tem uma dimensão ética e outra política: nossos municípios, para fazerem jus à autonomia que a Constituição lhes reconheceu, precisam compreender que o dinheiro dos contribuintes é precioso e deve ser gasto de forma a otimizar os serviços que proporcionam o bem-estar geral. E nessa questão as Câmaras Municipais devem dar a sua contribuição e o melhor exemplo, pois, afinal, ali se expressa a representação política mais próxima de cada um dos cidadãos brasileiros.


Tião Viana, 43, médico, é senador pelo PT-AC.


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