São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Os caminhoneiros

São muitos . São gente sofrida, que enfrenta com coragem as rodovias e os desafios da vida. Deles depende o abastecimento do país, são eles que asseguram que as mercadorias cheguem aos pontos mais distantes. Viajam dia e noite, sem descanso, pelas estradas -algumas em péssimo estado de conservação-, com veículos pesados e sem o devido apoio técnico em muitas áreas do interior.
Quem encontra os caminhoneiros nos postos e nos lugares de parada ou quem, às vezes, partilha da cabine ao lado do motorista percebe um pouco do mundo interior desses desbravadores de estradas. No painel de direção, colocam fotografias das pessoas queridas, que permanecem, assim, diante do olhar de quem guia, num colóquio de palavras e cantos que, muitas vezes, só Deus ouve. Embora distantes, pensam nas esposas e nos filhos e contam nos dedos as horas que faltam para voltar para casa e abraçá-los. Nas intermináveis horas de viagem, passam do silêncio ao diálogo imaginário e aos programas de rádio, com grande preferência pelas informações de estrada e pelas mensagens religiosas.
Entre os caminhoneiros, há uma forte solidariedade. Falam, às vezes, por monossílabos e por toques de buzina, saudando-se pela estrada como velhos amigos. Momento de distensão é o encontro em alguns postos preferidos para alimento, descanso e controle do veículo. Não é tão raro que improvisem um braseiro para partilhar pequenos pedaços de churrasco entre conversas e ao som da sanfona. Nesses estacionamentos, em especial no sertão, ajudam-se uns aos outros, velando para que nada aconteça durante a noite que passam trancados no próprio caminhão.
Sabemos, com efeito, que esses heróis das estradas são vítimas de assaltos. Ainda recentemente, muitos foram assassinados com brutalidade, sem nenhuma defesa. Inúmeros acidentes aumentam a todo momento o número dos caminhoneiros que ficam feridos ou perdem a vida. Começa aí o drama das famílias que sofrem o desamparo por falta de seguro e de auxílio da sociedade.
As cruzes fincadas à margem das estradas atestam a frequência dos acidentes fatais. Tudo isso nos faz pensar na vida árdua, nos constantes riscos e no padecimento e desgaste das centenas e milhares de caminhoneiros que, a cada dia, cruzam as nossas estradas em todas as direções.
Essa era uma das preocupações do jornalista Tim Lopes, amigo dos motoristas de caminhão. Ele fez várias reportagens sobre a classe e preparava uma ampla cobertura a respeito da vida sofrida das estradas.
Os caminhoneiros quiseram prestar uma homenagem a Tim Lopes. O Sindicato da União Brasileira dos Caminhoneiros, SUBC, convidou os companheiros para a missa celebrada nas primeiras horas da manhã de 12/6, no pátio em frente à portaria da Belgo-Mineira, em Contagem (MG). Homens e mulheres, alguns ainda cansados da noite em claro, foram chegando de caminhão e reunindo-se em torno do altar improvisado para rezar por Tim Lopes e pelas vítimas da violência. Foi comovente ouvir as preces marcadas pela fé, pela solidariedade e pela gratidão, que pediam a Deus o descanso eterno do amigo, a superação da brutalidade do tráfico de drogas e do crime organizado e a proteção nas estradas.
Unamos nossa oração à dos caminhoneiros, rogando a Deus que cada um, a exemplo de Tim Lopes, se comprometa com a justiça e com o pleno respeito à vida, dom de Deus.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O bem-amado das pulgas
Próximo Texto: Frases


Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.