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CARLOS HEITOR CONY
O bem-amado das pulgas
RIO DE JANEIRO - Até que era asseado, tomava banho todos os dias, mas
tinha o sangue que ele considerava
""doce", daí que era perseguido desde
a remota infância por pulgas -das
quais se julgava alvo preferencial e
inimigo irreconciliável.
Pegou pulga até mesmo em uma
viagem ao Canadá -país civilizado,
que ele julgava isento de pulgas.
Lembrei a ele que a pulga canadense
talvez fosse importada, ele a levara
na bagagem, com um complicado
equipamento para pescar acho que
trutas, num riacho perto de Québec.
Certa vez ele armou uma colossal
hipótese para explicar sua birra contra as pulgas ou, mais exatamente, a
das pulgas contra ele: "Imagine o
Maracanã cheio, 200 mil pessoas como na final da Copa de 50. Além das
200 mil pessoas, os 22 jogadores, os
reservas, o juiz, os dois bandeirinhas,
os fiscais da Fifa, os policiais, os gandulas, os fotógrafos, os penetras vários. Ao todo, umas 210 mil pessoas.
Vai começar a partida. O juiz coloca
a bola no meio do campo e prepara-se para o apito inicial. Nisso, uma
pulga -uma única e escassa pulga- está em cima da bola e sente
que será chutada. Resolve sair de cima da bola. Tem à disposição 210 mil
pessoas, nem todas banhadas naquele dia nem de roupas trocadas. Pois
bem, 15 ou 20 minutos de bola rolando no campo, a pulga vem diretamente para mim. Num ângulo de 360
graus, com toda uma multidão a seu
dispor, ela vem por ínvios caminhos
até onde estou, atraída pelo meu sangue doce".
Apreciei devidamente a hipótese levantada por ele. Mas, se houvesse 210
mil pulgas em cima da bola, todas
elas iriam sugar seu doce sangue? Ou
se dividiriam democraticamente pelo
estádio, cabendo uma pulga a cada
torcedor?
Ele não previra a hipótese dentro
da hipótese. Foi com horror que se
imaginou atacado por 210 mil pulgas
ao mesmo tempo. Nunca mais frequentou estádios, vê jogos pela TV.
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