|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A reestruturação da dívida pública deve começar já, neste governo?
NÃO
Tiro no próprio pé
OCTAVIO DE BARROS
Tiro no próprio pé ou suicídio político. É isso que significa qualquer
restruturação involuntária da dívida
pública no Brasil. A percepção do mercado de risco de "megaswap" à la Cavallo no próximo governo está provocando reações antecipatórias e associações
precipitadas do Brasil com a Argentina.
Justo ou não, esse tipo de preocupação dos mercados deveria começar a ser
dissipado imediatamente. Ainda que
reconheçamos que esta percepção de
risco do mercado talvez seja exagerada,
consideramos que os candidatos ao governo deveriam ter em mente que qualquer passo mal dado no cumprimento
das regras clássicas de mercado na negociação convencional da dívida mobiliária fará o risco Brasil saltar para um
patamar entre 2.000 e 2.500 pontos básicos, inviabilizando qualquer possibilidade de crescimento econômico sustentável por pelo menos dois anos.
Nesse cenário, perderíamos dois anos
tentando "correr atrás do lucro" para,
com muita sorte, depois dos ajustes necessários, voltarmos à estaca zero. É
preciso o alerta porque a negligência
com o risco-país leva a uma renitente
instabilidade macroeconômica, percebida pelos agentes econômicos.
A hipótese, frequentemente ventilada,
de que a equipe econômica de um futuro governo não queira pagar o prêmio
que o mercado venha a requerer para a
rolagem da dívida faz com que surja o
pesadelo do "megacanje" (megatroca
de dívida), do ministro Cavallo. "Amistosamente", Cavallo forçou o mercado a
assinar uma carta de adesão ao alongamento constrangido da dívida, com pesadas perdas para os agentes econômicos financiadores do Estado.
Em que pesem as diferenças óbvias
entre Brasil e Argentina, os impactos de
uma megatroca de dívida seriam facilmente previsíveis: risco Brasil acima de
2.000 pontos, "downgrading" automático de agências de "rating", virtual fechamento dos mercados externos de
crédito, fuga de capitais, forte queda de
investimentos diretos, elevada pressão
cambial, estouro da relação entre dívida
líquida do setor público e o PIB, percepção de deterioração fiscal, pressão inflacionária comprometendo a taxa de
câmbio real, frustração nas exportações, demanda por reindexação, juros
que não podem cair, crescimento medíocre, espetaculares perdas para a classe média cotista de fundos mútuos e de
pensão e, consequentemente, grande
frustração política. Lamentavelmente,
não é possível atenuar este cenário, cuja
probabilidade de ocorrência consideramos bastante remota, mas não nula.
Nesta campanha eleitoral, fala-se
muito de renegociação e alongamento
da dívida. Mas, por mais generosos que
sejamos com a competência da oposição, devemos compreender que é difícil
para o mercado aceitar que a equipe
econômica de um eventual governo da
oposição tenha, pelo menos no primeiro ano, melhores condições de negociação de alongamento e de barateamento
da dívida do que a atual equipe econômica, que logrou grandes avanços neste
tema nos últimos três anos. Isso suscita
dúvidas sobre o que significa "renegociar o alongamento e as condições da dívida pública" no discurso eleitoral.
O alongamento e a melhora das condições de custo da dívida não dependem apenas da vontade dos formuladores da política econômica, mas da confiança no futuro por parte dos agentes
financiadores do desenvolvimento.
Boas condições para a dívida interna
também dependem de superávits primários altos, duradouros e melhores.
Ainda surpreende a satanização e a
obsessão por uma ação punitiva aos
credores de um setor público que possivelmente continuará deficitário por
muitos anos e que requererá financiamento permanente. Trata-se de uma retórica eleitoral extremamente perigosa.
Se o financiamento faltar, o ajuste recessivo será ainda mais doloroso.
Entretanto são poucos os que acreditam em "default" voluntário neste terceiro milênio. A classe média é também
credora e representa 41,7% do total do
financiamento da dívida mobiliária pública. Tecnicamente, qualquer renegociação dessa dívida não teria como poupá-la de perdas consideráveis. Assim,
há um certo exagero em relação ao risco
de calote, megatroca, "canetada" nos juros ou limitação de recursos para pagamento dos mesmos. Qualquer dessas
ações levaria a turbulências macroeconômicas e políticas duradouras.
É possível superar as tensões atuais relativas à dívida interna sem necessidade
de artifícios, desde que se mantenha a
credibilidade da política macroeconômica, qualquer que seja o governo.
Vamos direto ao ponto: alto risco Brasil combinado com crescimento econômico é uma ficção. Os mais experientes
economistas da oposição sabem disso.
Qualquer passo em falso dado no início
de um novo governo atrasará a retomada da recuperação cíclica iniciada em
1999 por pelo menos mais dois anos. O
bom senso sugere que as oportunidades
de começar a governar em condições
adequadas pela melhora do risco Brasil
não devem ser desprezadas. Basta não
dar os passos na direção errada.
Octavio de Barros, 45, é economista-chefe do
BBV Banco.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Sim O crescimento é a reestruturação
Índice
|