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SIM
O crescimento é a reestruturação
LEDA MARIA PAULANI
Sim... e não ! A melhor resposta à
pergunta é dizer que ela não faz sentido. Contudo, a negativa, seca, pode
parecer uma afirmação de que a dívida
não é problema, afirmação com a qual,
presume-se, ninguém concordará.
O que transforma a dívida pública
num problema não é seu tamanho ou o
seu perfil. No caso do Brasil, têm pesado
mais a velocidade de seu crescimento
desde 1994 e a crescente deterioração
das condições externas do país. Mesmo
a relação entre dívida e PIB não vale por
si mesma, mas por sua evolução. O fato
de que esteja hoje acima dos 50% não
constitui, em si, problema. Há países
desenvolvidos, como o Japão, em que
ela é maior que 100%. O que preocupa e
fomenta a incerteza é o salto dado, partindo de algo em torno de 20% e chegando, hoje, oito anos depois, a 54,5%.
Esse comportamento adverso é mero
resultado aritmético: independentemente da federalização de dívidas e dos
esqueletos tirados do armário com que
se desculpa o governo federal, seria logicamente impossível esperar que a relação não crescesse, com o numerador
aumentando no ritmo astronômico das
taxas de juros e o denominador no passo de tartaruga do crescimento econômico. A essa evolução juntou-se a formação de um desequilíbrio estrutural
no balanço de pagamentos, tecendo assim o pano de fundo capaz de ensejar
crises como a dos últimos dias.
A influência perversa do desequilíbrio
externo aparece aí duas vezes. Primeiro
porque, em determinados momentos,
com ou sem incerteza, acumulam-se
compromissos que devem ser honrados
em moeda forte, o que, por si só, provoca uma redução na demanda por ativos
nominados em moeda corrente e pressiona a demanda pelas escassas divisas.
Depois, porque a fragilidade da situação
externa, combinada com a incerteza gerada pela situação da dívida interna,
empurra "os mercados" para o dólar.
Na corrida atrás do ouro verde, entretanto, existe mais do que o simples impulso especulativo. Existe aí outro fator
cuja importância não pode ser desprezada, a busca por segurança. A procura
de um porto seguro para o valor já acumulado, que aumenta com o crescimento da incerteza, é da natureza da
economia capitalista, de modo que pouco adianta os executivos do Banco Central, em coro, tacharem de irracional o
comportamento do mercado.
Que esse porto seguro tome hoje a forma de um papel verde sem nenhum valor intrínseco constitui novidade na história do capitalismo, mas de modo nenhum um desrespeito à natureza do dinheiro enquanto tal. O dinheiro é, em
essência, uma forma pura. Mas ele tem
de aparecer como o oposto disso, como
a matéria absoluta, como a riqueza inquestionável, como "o valor em pessoa". Por muito tempo, o "valor em pessoa" teve cara dourada, mas mudou para verde no final da década de 70. Não
por acaso, o tal risco-país toma como
base para sua medição o risco dos EUA,
considerado zero. Por isso tem cara verde o calmante ministrado para aquietar
os mercados: mais US$ 15 bilhões entre
redução do piso de reservas e dinheiro
do FMI.
Cabe, então, perguntar: Que significado pode ter, nesses marcos, uma tentativa de reestruturação da dívida interna?
Exceção feita aos instrumentos de que
dispõe o próprio BC -e que lhe permitem, via mercado, mudar seu perfil-,
não vejo que sentido possa ter um tentativa deliberada de reestruturá-la. Chamar para negociar um detentor de dívida pública é tão descabido quanto convocar um cidadão comum e comunicar-lhe, por exemplo, que sua nota de
R$ 50 passará a valer R$ 25.
O que é necessário é encontrar uma
forma de o país romper o círculo vicioso
que, nos últimos anos, o tem impedido
de crescer: baixo crescimento, elevação
da relação entre dívida e PIB e do desequilíbrio externo, dificuldade ainda
maior de crescer etc.
Assim, a retomada do crescimento é a
reestruturação possível.
A reestruturação da dívida envolve,
evidentemente, um plano técnico associado à questão do refinanciamento.
Mas envolve também um plano político, que passa por um processo de discutir e acordar entre os vários segmentos
sociais a forma de sair do círculo vicioso. A mídia tende, em geral, a tratar como técnica essa questão política e como
questão política o aspecto técnico nela
envolvido. Mas, como se vê, a questão
não se resolve apenas com sortilégios
técnicos nem depende só do voluntarismo do governo, qualquer que seja ele.
Leda Maria Paulani, 47, é professora do departamento de Economia da FEA-USP e assessora da
Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo.
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