São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Sociedade ou impunidade

SÃO PAULO - Não estivéssemos no Brasil, seria inconcebível imaginar que o Supremo Tribunal Federal poderia decidir contra o poder de investigação do Ministério Público, decisão que está por ser tomada.
É visível que a Constituição não autoriza expressamente o papel investigativo do MP, assim como não o veda expressamente. Trata-se, portanto, com perdão da obviedade, de matéria de interpretação.
Interpretar contra a capacidade de o MP investigar é decidir a favor da impunidade e contra a sociedade.
Leguleios jurídicos à parte, está arquievidente que a polícia, que ficaria com o monopólio das investigações, não está em condições de fazer todas as investigações necessárias, menos ainda em um país de elevadíssimo índice de criminalidade.
Basta saber que, no Estado de São Paulo, apenas 4% dos homicídios são de fato apurados.
Ora, se não há veto expresso, por que então negar à sociedade um instrumento de investigação?
O argumento de que o Ministério Público comete abusos seria risível se não fosse, no geral, mal-intencionado. Se é esse o problema, é melhor então acabar com qualquer investigação, porque a polícia (que, repito, ficaria como o único instrumento investigativo) comete mais abusos por hora do que o MP por ano.
O próprio caso específico que está levando à contestação do poder de investigação dos procuradores é a melhor demonstração do quanto isso é necessário: em uma fraude com dinheiro público, não se discute se o acusado é culpado ou inocente, mas se o Ministério Público pode ou não investigar a maracutaia.
Se não puder, incontáveis outras continuarão impunes.
Não se trata, claramente, de uma decisão doutrinária, conceitual, ideológica, mas de escolher entre interpretar a favor da impunidade ou a favor da sociedade.


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