São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Desarmar para salvar

LUIZ FERNANDO DELAZARI

Muito se fala a respeito da necessidade de desarmar a população civil. Inúmeras tentativas já foram aplicadas em vários países de culturas, hábitos e índices de violência díspares. Porém até hoje não se conheceu nenhum modelo que houvesse tirado de circulação um número de armas de fogo capaz de reduzir significativamente os índices de criminalidade, em especial os homicídios que acontecem nos grotões das grandes capitais do mundo.
Em nosso país, refiro-me aos assassinatos motivados pelas brigas em bares instalados nas periferias (muitos dos conflitos gerados por discussões sobre temas corriqueiros, como futebol) e, principalmente, às mortes provocadas por jovens com idades entre 16 e 25 anos, que são recrutados diariamente pela indústria do tráfico de drogas e equipados com revólveres contrabandeados e/ou roubados. Para ter uma idéia da gravidade da situação, nos últimos dez anos foram assassinadas no Brasil 300 mil pessoas, sendo 85% das vítimas -ou 255 mil pessoas- atingidas por armas de fogo de pequeno porte. O mais assustador é que, em 50% dos casos, as pessoas se conheciam. Mais: na metade das ocorrências, o autor do disparo não tinha nenhum antecedente criminal.
Qualquer um de nós poderá se somar às estatísticas de vítimas de bala, sejam as chamadas "balas perdidas" ou aquelas que têm destino certo e, quase sempre, fatal. Se o leitor necessita de outros argumentos para se impressionar ainda mais com o tema, eu os forneço: levantamento do Ministério da Justiça revela que há 20 milhões de armas de fogo em circulação no Brasil, todas em perfeitas condições de uso. Dessas, apenas 1,5 milhão (7,5%) são registradas. Todos os anos a violência gerada por disparos consome 10,5% do PIB nos países da América Latina.


Qualquer um de nós poderá se somar às estatísticas de vítimas de bala, sejam "balas perdidas" ou as que têm destino certo


No meu Estado, o Paraná, o tratamento de feridos por armas de fogo custa aos cofres públicos cerca de R$ 30 milhões por ano. O montante supriria facilmente a demanda anual da Secretaria Estadual da Saúde pela construção de novos hospitais e compra de medicamento de primeira necessidade. Também identificamos que a nossa tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina) representa um dos principais corredores para a entrada de armas contrabandeadas no país.
Estamos fazendo a nossa parte, intensificando a fiscalização nas estradas que ligam Foz do Iguaçu ao restante do Estado, investindo em tecnologia para patrulhar nossa faixa fronteiriça e participando ativamente das ações das polícias Civil e Militar. Mas é preciso que o governo federal reequipe e aumente o efetivo da Polícia Federal nas fronteiras para inibir e coibir o tráfico de armas. Essa preocupação recorrente vem sendo transmitida ao Poder Executivo.
Outra iniciativa do nosso Estado foi o lançamento da campanha "Menos armas e mais vidas". Enquanto governos de vários países discutem as estratégias mais eficientes para desarmar a população, o Paraná optou pela ação! Desde janeiro, estamos pagando R$ 100 por cada arma entregue ao Estado. Em apenas cinco meses, a campanha atingiu o incrível número de uma arma fora de circulação a cada meia hora. O sucesso da empreitada pode ser medido facilmente. Em 2003, foram apreendidas 3.500 armas de fogo no Paraná. Entenda-se por "apreensão" a necessidade de intervenção policial. Nos primeiros cinco meses da campanha, a população nos entregou mais de 17 mil armas, certamente um recorde nacional. Do total, 95% em plenas condições de uso.
Se a nossa iniciativa é ou não a mais viável pouco importa. Precisávamos deixar o plano teórico e partir para a esfera da praticidade, inclusive relevando interesses políticos estaduais e nacionais. As nossas conquistas servirão de ponto de partida para ecoar o tema do desarmamento nacionalmente.
No último dia 8, especialistas das mais diversas áreas passaram o dia em Curitiba debatendo as melhores alternativas para desarmar a sociedade. Ao final do evento, foi elaborado um documento para ser encaminhado ao Governo Federal. Eu, pessoalmente, tratarei de contatar cada um dos meus colegas -secretários de Estado- para aderirem ao movimento. Só assim, com atitude, o governo do Paraná acredita que poderá colaborar com o nosso país.

Luiz Fernando Delazari, 33, coordenador da Comissão Nacional de Combate ao Jogo de Bingo, é o secretário da Segurança Pública do Estado do Paraná.


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