São Paulo, Terça-feira, 15 de Junho de 1999
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Petróleo, um grande salto para o futuro


Os leilões são o marco de um novo ciclo de expansão das atividades científicas, tecnológicas e industriais brasileiras


DAVID ZYLBERSZTAJN

A Agência Nacional do Petróleo realiza hoje e amanhã a primeira rodada de leilões de áreas de exploração de petróleo da história do país. O evento simboliza o fim de um período histórico -quase meio século- em que a Petrobrás exerceu, de forma exclusiva, o monopólio da União sobre a pesquisa e a lavra desse recurso no Brasil. Mas sua relevância vai além disso: é seguramente o marco de um novo ciclo de expansão das atividades científicas, tecnológicas e industriais brasileiras, que deverá resultar num salto de desenvolvimento de imensas proporções, com poucos precedentes em nossa história.
Não há quem ponha em dúvida a importância econômica do petróleo ao longo deste século. Como fonte energética, viabilizou o desenvolvimento da indústria automobilística e de seus processos, que mudaram a correlação de forças entre as nações. É a exploração de um recurso de tal peso estratégico que está sendo objeto da primeira licitação. A ANP, obedecendo rigorosamente aos preceitos legais e atendendo às melhores práticas internacionais, concederá a empresas petrolíferas, nacionais ou estrangeiras, o direito de explorar partes da bacia sedimentar brasileira. Do processo resultará a assinatura de um contrato de concessão, o que garantirá um permanente e estrito controle do governo, via ANP.
O processo difere muito das privatizações de setores como o da energia elétrica e o das telecomunicações, quando o Estado leiloou sua participação em troca de uma vultosa arrecadação "à vista". Feita a privatização, entram no Tesouro só os impostos que as empresas normalmente já pagavam.
Com o petróleo ocorre o inverso. Não são esperados os maiores ganhos monetários com o leilão em si, pois a grande arrecadação decorre da taxação na fase de produção petrolífera. Governo federal, Estados e municípios repartem mais de 50% do valor da produção. O mineral está no subsolo; sem os investimentos necessários para descobri-lo (numa atividade de risco) e depois usá-lo comercialmente, ele nada vale. Dessa forma, o Estado deve se portar como parceiro do concessionário, apostando no sucesso exploratório, estimulando o investimento -que, afinal, resulta em geração de empregos e em desenvolvimento de tecnologia.
O Brasil está em situação confortável quanto ao suprimento de petróleo. Caminhamos, no médio prazo, para uma posição de baixa dependência da importação, o que dá ao país tranquilidade para administrar estrategicamente a atividade de extração. Não precisamos produzir petróleo a qualquer custo, pois não se trata aqui de simplesmente ganhar dinheiro com um recurso natural, mas de utilizar essa riqueza como bem intermediário, fator para o fortalecimento de uma economia reprodutiva e diversificada, gerando empregos, conhecimento e bem-estar social.
Essa premissa baliza o processo da primeira rodada de licitações. A ANP estabeleceu o peso de 15% das propostas dos licitantes para o compromisso de compras e contratações de bens e serviços no mercado interno (os outros 85% referem-se à oferta em dinheiro). Ou seja, o Estado abre mão de arrecadação imediata para incentivar o setor produtivo nacional. E o faz por acreditar no tremendo efeito multiplicador que a indústria do petróleo pode ter.
Nos próximos cinco anos, a soma dos investimentos no setor, no Brasil, deverá ultrapassar US$ 15 bilhões. Segundo estudo encomendado pela ANP à PUC-RJ, as empresas nacionais fornecedoras de máquinas, equipamentos e serviços (aí incluída a engenharia nacional) têm capacidade para atender, em média, a 60% desses investimentos, desde que possam concorrer em condições de igualdade, no âmbito fiscal e de financiamento, com as estrangeiras.
Já existe a garantia, pelo governo, desse tratamento equânime. Em outra frente, a ANP estimulou o estabelecimento de uma aliança entre os agentes do setor, que resultou na criação da Organização Nacional da Indústria do Petróleo. Sob o lema "cooperar para competir", a entidade irá promover ações como identificar demandas da indústria do petróleo e orientar as empresas nacionais para atendê-las; divulgar fontes de financiamentos à produção; promover a cooperação necessária entre segmentos industriais; promover o marketing do produto nacional.
Os bens e serviços demandados pelas operadoras de petróleo que estão se estabelecendo no Brasil são os mesmos requeridos em outras regiões produtoras do mundo. Ao serem capazes de competir internamente, as empresas nacionais automaticamente se habilitarão à disputa de um mercado global para o qual se estimam investimentos de US$ 300 bilhões em cinco anos.
Sem reservas de mercado nem táticas monopolistas ou intervencionistas, o Estado posiciona-se com a força e o necessário vigor para exercer papel determinante num setor que, se bem gerido, poderá contribuir decisivamente para a continuidade da modernização da economia nacional. Ciência, tecnologia e indústria competitivas, empregos e, claro, mais petróleo para o Brasil.
Após a flexibilização constitucional do monopólio (há quatro anos), os debates no Congresso que levaram à promulgação da Lei do Petróleo, a criação da ANP (em 1998) e a longa discussão do leilão com a sociedade, o Brasil avança. O petróleo é nosso futuro.


David Zylbersztajn, 44, engenheiro mecânico e doutor em economia da energia pelo Institut d'Économie et de Politique de L'Énergie de Grenoble (França), é diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo). Foi secretário de Energia do Estado de São Paulo (1995-98).



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