São Paulo, Terça-feira, 15 de Junho de 1999
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A cultura do contentamento


Temos de operar, no planejamento estratégico do turismo, com a moderna idéia de comunicação integrada


ARNALDO NISKIER

Estamos nos preparando para comemorar, com a dignidade possível, os 500 anos do Descobrimento do Brasil. O prefeito do Rio, Luiz Paulo Conde, espera 7 milhões de turistas (5 milhões de brasileiros) para vibrar com a chegada de três réplicas das caravelas de Cabral e outros atrativos. O "Plano Maravilha" contempla um investimento de R$ 25 milhões em obras prioritárias.
A dúvida que fica em nosso espírito é se temos boas condições de infra-estrutura para oferecer aos nossos turistas. Será que os nossos aeroportos, por exemplo, estarão mais organizados?
Falando na Confederação Nacional de Turismo, contei um fato de que fui testemunha. De olhos postos na praia de Copacabana, o ministro Rafael Greca falou-nos de seu sonho: "Vou organizar as atividades do turismo no Brasil. Isso vai provocar verdadeira revolução na entrada de dólares. Movimentaremos tanta gente e tanto dinheiro que isso influirá nos esforços de recuperação da empregabilidade entre nós. Nenhum absurdo, nenhuma quimera. Tudo pode ser feito. Um pouco mais de organização, um pouco mais de seriedade, acho que chegaremos lá".
O Brasil movimenta US$ 45 bilhões anuais com a indústria do turismo. Desses recursos, US$ 18 bilhões (ou seja, 40%) são aplicados no Rio, cujos aeroportos são responsáveis por 44% da entrada de turistas no Brasil.
Não há dúvida: não se pode viver na penumbra. Como disse Woody Allen, "80% do sucesso é aparecer". É claro que se deve aparecer de forma competente. Temos de operar, no planejamento estratégico do turismo, com a moderna idéia de comunicação integrada, envolvendo marketing, propaganda, venda e relações públicas.
Por que a resistência a estratégias de comunicação? Há um misto de medo e desconhecimento. No planejamento de empresas ou setores, é fundamental considerar esses elementos, que contemplam o exercício eficaz de uma atividade hoje essencial. Como homens de comunicação, registramos uma tendência muito comum nas organizações modernas: é o que John Kenneth Galbraith chama apropriadamente de "cultura do contentamento". É a aceitação passiva do conforto imediato, o que pode levar a resultados enganosos.
Sobre turismo e cultura, considere-se que temos o maior sistema de unidades de conservação da região tropical (4% do território nacional). Há interesse em visitas aos parques nacionais da serra dos Órgãos, da Tijuca, de Itatiaia, de Bocaina, onde se verifica o que sobrou da riquíssima mata atlântica. O Brasil tem hoje 9 reservas extrativistas, 39 florestas nacionais e 20 áreas de proteção ambiental, onde se fazem estudos importantes de preservação, que podem atrair pesquisadores internacionais.
A criação de uma consciência ecológica será de fundamental importância para a expansão do ecoturismo. Quando fui secretário estadual de Ciência e Tecnologia, em 1968, transformei o que era um centro no Instituto de Conservação da Natureza do Rio; nele nasceram medidas concretas de apoio à preservação do ambiente.
Um dia, o dr. Simões Lopes, então presidente da Fundação Getúlio Vargas, disse-me que tentava, havia mais ou menos cinco anos, doar uma área de 500 mil m2 na estrada Grajaú/Jacarepaguá para o Estado, sem sucesso. Ele queria doar e não queriam receber. É claro que aceitei a doação de imediato.
Em 1987, propus uma indicação ao então Conselho Federal de Educação, considerando indispensável a inclusão da educação ambiental nos currículos do ensino básico. Foram organizados diversos encontros para despertar o espírito ecológico nas escolas. A inclusão do ambiente na Constituição de 1988, de forma inédita no mundo, reiterou que o tema preocupava grande parte da sociedade. A Carta prevê a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do ambiente.
O Brasil dispõe de verdadeiros santuários, que, devidamente anunciados no exterior, poderão servir de pretexto para viagens atraentes. Querem exemplos? O parque nacional de Fernando de Noronha, as ilhas do Cardoso (SP) e Grande (RJ), o arquipélago de Abrolhos (BA), a ilha do Caju, no delta do rio Parnaíba, os manguezais do Amapá, o parque nacional da lagoa do Peixe (RS), os 21 postos do Projeto Tamar (protegidos pela Petrobrás) etc.
Nesse cenário pode-se ter uma fascinante educação ambiental, forma inteligente de preservação da fauna e da flora. É uma nova maneira de educar, ampla e significativa (uma "metaeducação"). Tem como ponto de partida e de chegada o próprio ambiente; sua preocupação maior é a melhor qualidade de vida, sonho da nossa sociedade.


Arnaldo Niskier, 63, jornalista, escritor e professor, é presidente da Academia Brasileira de Letras. Foi secretário estadual de Ciência e Tecnologia (1968 a 71) e de Educação e Cultura (1979 a 83) do Rio de Janeiro.



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