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TENDÊNCIAS/DEBATES
O combate ao crime organizado requer um endurecimento da legislação penal?
NÃO
Para entender uma falsa associação
KARYNA BATISTA SPOSATO e FERNANDA MATSUDA
A
ASSOCIAÇÃO entre a rigidez
do sistema penal e a diminuição dos índices de criminalidade não é verdadeira. Iniciativas nessa
direção vêm demonstrando que o
enrijecimento dos mecanismos formais de controle social pode produzir
efeitos contrários ao pretendido.
Da experiência internacional, muitos se remetem ao programa "tolerância zero", implementado na cidade de Nova York nos anos 90.
Porém, não há elementos que demonstrem a redução dos crimes como tributária dessa política: a violência criminal já vinha apresentando
um decréscimo antes de Rudolph
Giuliani assumir a prefeitura em
1993, e o declínio dos índices de criminalidade no período pode ser igualmente conferido em outras cidades
dos EUA que não seguiram as diretrizes da política nova-iorquina.
A influência dessa doutrina, contudo, pode ser facilmente percebida na
retórica militar "guerra contra o crime", que, no caso brasileiro, ganha
simpatia e adesão em face do uso sensacionalista e irresponsável do discurso da insegurança e da incapacidade do Estado para enfrentar as causas
estruturais que alimentam a violência. Os pacotes de endurecimento da
legislação penal e as soluções de ocasião são prova disso, e não é de hoje.
Nesse contexto, destaque-se a Lei
dos Crimes Hediondos, aprovada na
década de 90 como resposta a crimes
que passaram a vitimar segmentos
sociais mais privilegiados. A lógica da
severidade da punição levou à incongruente impossibilidade de progressão de regime para os condenados por
tais crimes, violando a individualização da pena, princípio da Constituição e da Lei de Execução Penal.
A inflexão da legislação vem forjando uma dinâmica que, embora aparentemente paradoxal, tem a finalidade precípua de repressão e neutralização dos criminosos, o que se verifica especialmente na perda da importância da ressocialização como
propósito e fundamento da pena.
Além de abandonar a ressocialização, a Lei dos Crimes Hediondos não
proporcionou os resultados esperados como medida para prevenção do
crime. Dados estatísticos atestam que
ora os índices de criminalidade se
mantiveram estáveis, ora aumentaram após a edição da lei, evidência de
que não há relação de causalidade entre uma lei dura e a retração do crime.
Por outro lado, não se pode ignorar
o expressivo incremento da população carcerária nos anos posteriores à
entrada em vigor da lei, agravando os
problemas da deficitária estrutura do
Estado em matéria de prisões.
O ano de 2001 foi marcado por rebeliões cuja organização foi creditada
ao PCC. A resposta estatal se limitou à
adoção de medidas recrudescedoras
do sistema de execução penal, com a
implantação do famigerado Regime
Disciplinar Diferenciado. O isolamento de supostos líderes e membros
da organização criminosa só estimulou o círculo vicioso e a sanha punitiva, sem desmontar a facção, que hoje
se mostra fora do controle do Estado.
O panorama atual é exemplo por
excelência do fracasso das políticas de
segurança pública, que têm sido implementadas de maneira atabalhoada
e inconseqüente.
Compete ao poder público promover soluções que estejam além de arranjos precários e paliativos que se
têm mostrado desastrosos, como a legislação penal de emergência. A
ameaça à vida dos agentes do sistema
penitenciário, o medo que se difunde
entre a população e os transtornos
que interrompem a rotina de São
Paulo aí estão para o comprovar.
No mundo todo, registram-se práticas simples que acabam por ser
bem-sucedidas na diminuição dos
números do crime, como a construção de áreas de lazer e de convivência
social, o fomento a atividades esportivas e programas de tratamento e prevenção da drogadição.
O combate à criminalidade exige,
sim, que o Estado assuma seu papel.
Porém, não sob qualquer forma. É
premente que, sob a égide de um Estado democrático de Direito e social,
o poder público se faça presente não
pelo uso do seu aparato repressivo,
mas pela condução de políticas públicas que transformem a realidade em
que a opção pelo crime encontra terreno fértil dentro e fora das prisões.
KARYNA BATISTA SPOSATO, 31, mestre em direito penal pela USP, é diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino Americano de Política Criminal das Nações Unidas
para Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente).
FERNANDA MATSUDA, 26, advogada, é pesquisadora do
Ilanud.
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