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RUY CASTRO
Gardênia no cabelo
RIO DE JANEIRO - Em 1948, o
baiano Jorge Cravo, Cravinho, 21
anos, relapso estudante de administração em Nova York, não saía do cinema. Não pelos filmes, de que não
queria nem saber, mas pelos minishows de palco que os cinemas apresentavam entre as sessões -cinco ou
seis por dia, estrelando um grande
cantor ou orquestra.
Com um único ingresso, Cravinho
assistia ao primeiro show, via o filme
uma vez, assistia ao segundo show,
dormia na sessão seguinte, assistia
ao terceiro show, ia namorar a garota
da bombonière durante mais uma
sessão e assim por diante. E quem se
apresentava nos cinemas? Frank Sinatra, Duke Ellington, Billy Eckstine, Tommy Dorsey, Nat King Cole
etc. Certo dia, foi a vez de Billie Holiday.
Ao fim do último show de Billie, o
emocionado Cravinho postou-se nos
fundos do cinema e a viu sair, linda,
de vestido justo e gardênia no cabelo.
Seguiu-a até um botequim, entrou
também e sentou-se ao balcão, a um
ou dois banquinhos da deusa. Mas
respeitou sua solidão e não a importunou.
Dois anos depois, de volta ao Brasil, Cravinho escreveu-lhe uma carta, aos cuidados da Decca, sua gravadora, convidando-a a cantar na Bahia. Para sua surpresa, Billie respondeu, autorizando-o a falar com um
brasileiro amigo dela, chamado Guinle (Jorginho, claro), a respeito disso. Mas nada resultou, e a própria
carta se perdeu.
Passaram-se séculos e, nos anos
80, Cravinho vendeu sua fabulosa
coleção de LPs de cantores de jazz
para um americano. E pode-se imaginar a surpresa deste ao abrir um LP
de Billie Holiday e ver cair uma carta
da cantora, dirigida a seu fã brasileiro, o qual só depois se lembrou de
que a guardara dentro de um disco.
Nesta sexta-feira, são 50 anos da
morte de Billie. Foi uma morte
anunciada, mas Cravinho e o mundo
até hoje não se refizeram.
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