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Fora dos trilhos
Com pretensa sutileza, o presidente Lula mais uma vez transforma evento oficial em ato de campanha a favor da candidata Dilma Rousseff
Conhece-se bem o caso daqueles zagueiros especializados na
canelada e no carrinho que, depois de derrubar o adversário sem
a menor cerimônia, inclinam-se
docemente sobre a vítima, pedindo desculpas e oferecendo-se para
levantá-la do chão.
O hábito da gentileza cínica,
que confere algum colorido de comédia aos mais tediosos jogos de
futebol, vem há um bom tempo
sendo transplantado para o campo da política pelo presidente Lula. Poucas vezes de forma tão deslavada, todavia, quanto nestes últimos dias.
Na terça-feira, durante o lançamento do edital para a construção
do trem-bala, novamente aproveitou para fazer campanha em prol
da candidata do PT à sua sucessão, Dilma Rousseff.
No dia seguinte, retratou-se pela flagrante violação do código
eleitoral: "Eu não tenho por hábito desafiar nem o mais humilde
dos brasileiros", disse o presidente, "quanto mais desafiar uma legislação que nós mesmos criamos
no Congresso Nacional".
Para quem ainda duvidasse,
Lula arrematou o lance com nova
manifestação de obediência, um
pouco como o jogador faltoso que
ouve, com as mãos atrás das costas, as reprimendas do juiz: "Se eu
cometi um erro político, eu peço
desculpas".
A farsa da atitude, todavia, revela-se por inteiro. Antes de citar o
nome da candidata, Lula deu
mostras de saber exatamente o
que estava fazendo. "Eu nem poderia falar o nome dela porque
tem um processo eleitoral", disse
o presidente, "mas a história a
gente também não pode esconder
por causa da eleição".
Assim, por uma questão de
"justiça", concluiu: "A verdade é
que a companheira Dilma Rousseff assumiu a responsabilidade
de fazer esse TAV [o trem-bala], e
foi ela que cuidou... Não podemos
negar isso".
Não se trata de negar, a priori, a
capacidade técnica da candidata,
muito menos de aceitar acriticamente a tese da "propaganda eleitoral antecipada", que motivou
várias das multas aplicadas pelo
TSE ao presidente.
Era irrealista e burocrático, por
certo, estabelecer um prazo oficial
para o início da campanha, e esperar que candidatos deste ou daquele partido se abstivessem de
movimentações eleitorais antes
do tempo. Acostumando-se a infringir essa regra, o presidente Lula foi além, todavia.
Caracteriza-se plenamente o
uso da administração pública,
com sua máquina de projetos,
anúncios, siglas e promessas, para a promoção de um interesse
partidário. Lula já não se contenta
em armar inaugurações para as
célebres "obras do PAC", ainda
que incompletas; o mero lançamento de um edital de concorrência, para uma obra como o trem-bala, transforma-se em ocasião
eleitoreira.
A esta altura, vai-se tornando
constrangedora a dificuldade da
candidata Dilma Rousseff em alcançar autonomia eleitoral, dependendo ainda de ter seu nome
carregado por Lula em toda cerimônia de governo. Inegavelmente
um grande "puxador" de votos, o
presidente atropela mais uma vez
a lei -com a sutileza de um zagueiro, ou, se quisermos, de uma
locomotiva fora dos trilhos.
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