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OTAVIO FRIAS FILHO
Ciro x Lula
Não é demais ressaltar, em eleição tão imprevisível, que os comentários podem refletir o tom da semana, mas falham ao antever o curso
final da decisão popular. Tendo em
vista o sobe-e-desce nesta campanha,
melhor não descartar nenhuma possibilidade, nem a de que o jogo possa tomar outro rumo se a propaganda afinal alavancar o candidato do governo.
Nas condições de hoje, porém, está
configurada a polarização entre Lula e
Ciro. Embora este mantenha seu nível
de radicalização verbal, parece claro
que sua base de apoio logístico se encontra cada vez mais no campo da direita organizada. Se for esse o confronto, porém, devemos estar prontos
para assistir a mais um paradoxo da
política brasileira.
O "normal" seria esperar que o candidato da "esquerda", não o da "direita", fosse o radical. Lula está manietado, no entanto, por dois fatores. O primeiro é a própria evolução do PT rumo à social-democracia, acentuada
nesta fase por uma política já abertamente oportunista, mercê da qual o
partido entra para o "establishment" à
custa de sua identidade original.
O outro fator a conter o petista num
figurino terno-e-gravata é a dinâmica
da crise, que vem exigindo crescentes
compromissos verbais e já obrigou
seu partido a substituir os pontos essenciais da plataforma de governo em
menos de um ano. Tais atitudes são,
para Lula, o único e precário antídoto
contra o terrorismo eleitoral a que o
passado do PT o torna sujeito.
O postulante da esquerda se comporta como um escorregadio político
convencional, ao passo que seu oponente parece quase um incendiário.
Ponha-se a candidatura Ciro no lugar
em que se quiser no espectro político,
o fato é que temos uma longa tradição
de radicalismo retórico e messianismo eleitoral suprapartidário, "renovador", moralizante.
Se o corte do segundo turno for esse,
haverá três níveis de contraponto,
além de esquerda e direita. Cresce o
sentimento de que um eventual governo Lula seria mais previsível, por
ser mais orgânico: trata-se de um partido político de fato, fruto de um movimento social que se sedimenta há
décadas e cuja trajetória para o centro
parece cada vez mais nítida.
Deverá haver outro corte, este de natureza geográfica, pois parte do que
existe de "paulista" no tucanato vai se
incorporar, caso se mantenha o quadro atual, ao PT. De seu lado, a candidatura Ciro já é uma ampla confederação de elites regionais (emergentes,
para usar termo simpático) e dissidências partidárias (fisiológicas, para
usar termo mais severo).
Reflexo dessas cisões, o próprio
PSDB parece estar na iminência de
um racha, sintoma do grau de esfacelamento, mais uma vez, do sistema
partidário. Não é à toa que Ciro acusa
a máquina do governo de ser "o dragão da maldade", reservando-se, por
exclusão, o outro termo -"o santo
guerreiro"- do título do filme de
Glauber Rocha.
Ele reencarna o fenômeno do reformador intransigente e solitário, papel
criado por Jânio antes de ter sido utilizado por Collor. Seu apelo sobre um
eleitorado apaixonável, cético em relação a estruturas institucionais, é enorme. Resta saber o quanto o desenvolvimento da nossa cultura política já terá reduzido esse fenômeno a suas formas menos instáveis.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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