São Paulo, terça-feira, 15 de agosto de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Virada na educação

SÓ HÁ UM projeto capaz de nos unir: educação. E a união construída nesse campo pode gerar os recursos políticos e morais para fortalecer nossa capacidade de resolver todos nossos outros problemas. Quais são as grandes diretrizes -viáveis com meios de que o país já dispõe ou que possa em pouco tempo encontrar- da mudança necessária em matéria de educação? Em primeiro lugar, aproveitar a maré montante do Fundef para instituir sistema federal que assegure mínimos de investimento por aluno e de desempenho por escola em todo o país, independentemente dos recursos e das capacidades de que cada município ou Estado disponha. O Fundef é só o começo: é preciso negociar pacto federativo para poder redistribuir recursos e pessoal dos lugares mais ricos para os mais pobres. De nada adianta sem procedimentos para monitorar resultados e intervir corretivamente quando forem inaceitáveis. Se os mínimos deixarem de ser preenchidos, entidade específica, dirigida pelo governo federal, com representação dos Estados e municípios, deve poder intervir para administrar diretamente um sistema escolar local, sob limites impostos pela vigilância do Judiciário, até que se supram as faltas de meios, de quadros ou de eficiência. Em segundo lugar, enfrentar o problema do conteúdo e do método. Nas comparações internacionais, nosso desempenho em matemática é constrangedor. E a leitura de um texto, quando não encarada como ocasião para memorizar, costuma ser vista entre nós como pretexto para fantasiar, em livre associação de idéias. Por conseguinte, também não se aprende a pensar e a traduzir pensamento em escrita: como formular, decompor, desdobrar, fundamentar e reconstruir conceitos. Tudo o mais no currículo ou deve ser subsidiário a essas capacitações analíticas básicas ou deve servir para exercitá-las. Não conseguiremos colocar tais capacitações no centro do ensino sem qualificar o professorado e sem incentivá-lo nacionalmente, sob a responsabilidade do governo central. Em terceiro lugar, formar, a partir da educação reformada, uma contra-elite de merecimento. Ao aluno pobre esforçado e talentoso dirá a República: Você, que não tem herança, herdará de mim. Eu o cumularei de apoios econômicos abrangentes e de oportunidades acadêmicas extraordinárias até levá-lo às alturas do saber. Insisto: tudo isso é viável no Brasil de hoje. Começar a viabilizá-lo é mexer a fundo com o país. É insuflar, em toda a parte e já, dinâmica de inquietação ambiciosa. É libertar o povo brasileiro.

www.law.harvard.edu/unger


ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.


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