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São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A celebração das cidades

JAIME LERNER


É preciso que as pessoas despertem mais rapidamente para as possibilidades de melhoria do ambiente urbano

A grande discussão ideológica no mundo é a globalização ou a solidariedade. Pode-se ser contra a globalização, mas como se manifesta a solidariedade? Costumo dizer que a cidade é o último refúgio da solidariedade, é a nossa garantia e salvaguarda. Como já aconteceu com o movimento a favor do meio ambiente, que começou em 1972, em Estocolmo, e despertou uma preocupação mundial, eu diria que este é o momento da cidade.
É preciso criar uma visão mais generosa sobre as cidades. A cidade é a maior invenção do homem. Uma cidade não é apenas o local onde as pessoas residem, mas também onde buscam auto-evolução e procuram aproveitar ao máximo a sua existência. A cidade não é problema, a cidade é solução.
É preciso que as pessoas despertem mais rapidamente para as possibilidades de melhoria do ambiente urbano. É preciso que as pessoas saibam que os problemas que as atormentam no cotidiano podem ser superados.
Definir do que a sua cidade vai viver e dominar o processo de seu crescimento são desafios cruciais para as administrações urbanas. O sucesso de uma cidade pode ser medido pela capacidade de seus gestores em desenhar cenários positivos que a maioria da população possa abraçar e ajudar a construir.
A UIA (União Internacional dos Arquitetos), que congrega cerca de 1,5 milhão de arquitetos em todo o mundo, está iniciando um movimento internacional em favor das cidades. Com isso, a entidade acredita que desempenha um importante papel no necessário processo de apoio à cidade, que precisa recuperar sua essência como um local de encontro, um lugar para criatividade e solidariedade.
O arquiteto é um profissional que possui os meios para se envolver profundamente com a cidade. Todo arquiteto tem uma boa idéia para a sua cidade. A UIA lhe dará uma oportunidade para mostrar essa idéia, mobilizando arquitetos em todo o mundo para criar projetos viáveis, capazes de capturar o imaginário das cidades e sensibilizar seus administradores.
Não me refiro ao planejamento da cidade, que já é feito por pessoas capacitadas e cujo trabalho deve ser respeitado. Mas toda cidade tem a necessidade de idéias que possam provocar manifestações, transformações importantes. A reunião de centenas dessas boas idéias se dará com o concurso internacional Celebração das Cidades, idealizado pela UIA e com o apoio da Unesco. O concurso foi criado para ser o promotor de projetos que melhorem a qualidade de vida das pessoas, um facilitador de verdadeiras "acupunturas urbanas".
Pretende-se que sejam ações que levem a cidade a reagir. Que atuem sobre um local de tal forma que essa área ajude o todo a se curar, a se aprimorar, a criar reações positivas. Uma cadeia de reações que intervenha para revitalizar, fazer todo o organismo trabalhar de forma diferente e melhor.
Em cidades que foram bem-sucedidas nesse tipo de transformação, houve a possibilidade de um recomeço, de um despertar. Isso é o que faz uma cidade reagir. Planejamento urbano é um processo que, mesmo em sua excelência, não produz mudanças imediatas.
O objetivo desse concurso, aberto a arquitetos e estudantes de arquitetura, é estimular a elaboração de idéias que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas, promovendo intervenções urbanas que sejam como uma faísca que inicia uma sequência de ações, mesmo que a longo prazo.
As linhas de ação podem estar relacionadas a qualquer problema crucial referente a meio ambiente, indústria, comércio, estradas, transportes, segurança pública, abastecimento, comunicações, cultura, regeneração urbana, preservação do patrimônio, habitação etc.
O título Celebração das Cidades não é mera retórica. O concurso é um amplo processo de apoio às cidades que está sendo conduzido pela UIA. Muitas cidades e países menos desenvolvidos serão beneficiados com esses projetos. Eles podem servir de base para obtenção de financiamento do Banco Mundial ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID.
O valor social das idéias que surgirão com o Celebração das Cidades já seria motivo suficiente para a participação de toda a sociedade nesse movimento. Mas, mais do que isso, o concurso promoverá uma valiosa troca de experiências, tornando possível que centenas de idéias sejam compartilhadas quase que instantaneamente ao redor do mundo. Idéias que poderão ajudar a tornar este mundo melhor por meio do que ele tem de mais valioso, as suas cidades.


Jaime Lerner, 65, arquiteto e urbanista, é presidente da União Internacional dos Arquitetos. Foi prefeito de Curitiba (1971-75, 1979-83 e 1989-92) e governador do Paraná (1995-98 e 1999-2002).


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