São Paulo, terça-feira, 15 de setembro de 2009

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MARCOS NOBRE

A política das palavras

PALAVRAS PODEM fazer muito estrago. O riso muitas vezes vem carregado de insulto e humilhação. Uma piada pode ser uma arma poderosa para colocar uma pessoa "no seu devido lugar". Ou seja, embaixo.
Último suspiro da hegemonia cultural de uma nova esquerda, o politicamente correto surgiu com o objetivo de tirar os dentes das palavras. Apelava para a adoção de padrões de linguagem e de comportamento que pudessem neutralizar o preconceito e a discriminação. Queria bloquear a violência da imposição de um conjunto de valores e de padrões de comportamento determinados para toda a sociedade.
O politicamente correto conquistou ativistas de todos os matizes e muitas organizações internacionais importantes. E conquistou Hollywood, o que lhe permitiu fazer carreira pelo mundo de maneira ainda mais rápida.
Mas, desde o seu nascimento, foi também objeto de chacota. Nunca faltaram piadas para dramatizar a ilusão de controlar as palavras e os atos e sentidos que elas imantam.
Não por acaso, a primeira lição que o Doutor Fausto recebeu de Mefistófeles.
E, no entanto, o politicamente correto continua sendo hegemônico. Quem conta uma piada politicamente incorreta em público encontra sempre alguma maneira de dizer que é uma pessoa tolerante e sem preconceito e que ri apenas da falta de senso de humor da correção política.
É uma situação que mostra a lógica do campo de forças político-cultural do presente. Ao ver o vagalhão neoliberal se aproximando, a nova esquerda lançou mão do recurso desesperado de tentar petrificar a linguagem. Conseguiu com isso manter muito das conquistas de direitos e de reconhecimento das últimas décadas. Mas armou contra si todo um arsenal de sortilégios que faz a vida das línguas.
Já boa parte da nova direita, escorada na arrogância da liberalização econômica universal, resolveu viver de cavoucar o chão movediço da correção linguística. Novos conservadores tornaram-se parasitas do politicamente correto. Postos por si mesmos na posição de vanguarda cultural, apresentam-se como heróis solitários da inteligência contra a dureza da nova esquerda.
Não fazem mais do que repor o preconceito e a intolerância do conservadorismo social mais difuso e tacanho. Oferecem tranquilizantes de ocasião, em geral sob a forma de um biologismo social grosseiro.
A boa notícia é que esse campo de forças pode vir a se alterar como resultado da atual crise econômica.
Seria uma grande novidade ver a nova direita tentando encontrar as suas próprias palavras para variar.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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