|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS NOBRE
A política
das palavras
PALAVRAS PODEM fazer muito
estrago. O riso muitas vezes
vem carregado de insulto e
humilhação. Uma piada pode ser
uma arma poderosa para colocar
uma pessoa "no seu devido lugar".
Ou seja, embaixo.
Último suspiro da hegemonia
cultural de uma nova esquerda, o
politicamente correto surgiu com
o objetivo de tirar os dentes das palavras. Apelava para a adoção de
padrões de linguagem e de comportamento que pudessem neutralizar o preconceito e a discriminação. Queria bloquear a violência da
imposição de um conjunto de valores e de padrões de comportamento determinados para toda a sociedade.
O politicamente correto conquistou ativistas de todos os matizes e muitas organizações internacionais importantes. E conquistou
Hollywood, o que lhe permitiu fazer carreira pelo mundo de maneira ainda mais rápida.
Mas, desde o seu nascimento, foi
também objeto de chacota. Nunca
faltaram piadas para dramatizar a
ilusão de controlar as palavras e os
atos e sentidos que elas imantam.
Não por acaso, a primeira lição que
o Doutor Fausto recebeu de Mefistófeles.
E, no entanto, o politicamente
correto continua sendo hegemônico. Quem conta uma piada politicamente incorreta em público encontra sempre alguma maneira de
dizer que é uma pessoa tolerante e
sem preconceito e que ri apenas da
falta de senso de humor da correção política.
É uma situação que mostra a lógica do campo de forças político-cultural do presente. Ao ver o vagalhão neoliberal se aproximando, a
nova esquerda lançou mão do recurso desesperado de tentar petrificar a linguagem. Conseguiu com
isso manter muito das conquistas
de direitos e de reconhecimento
das últimas décadas. Mas armou
contra si todo um arsenal de sortilégios que faz a vida das línguas.
Já boa parte da nova direita, escorada na arrogância da liberalização econômica universal, resolveu
viver de cavoucar o chão movediço
da correção linguística. Novos conservadores tornaram-se parasitas
do politicamente correto. Postos
por si mesmos na posição de vanguarda cultural, apresentam-se como heróis solitários da inteligência
contra a dureza da nova esquerda.
Não fazem mais do que repor o preconceito e a intolerância do conservadorismo social mais difuso e
tacanho. Oferecem tranquilizantes
de ocasião, em geral sob a forma de
um biologismo social grosseiro.
A boa notícia é que esse campo
de forças pode vir a se alterar como
resultado da atual crise econômica.
Seria uma grande novidade ver a
nova direita tentando encontrar as
suas próprias palavras para variar.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Antônio Olinto Próximo Texto: Frases
Índice
|