São Paulo, terça, 15 de setembro de 1998

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Loucuras e escândalos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Disputavam a mesma rua. E nela, a mesma calçada. Brigavam, sobretudo, pela mesma clientela. Eram 12 portas voltadas para a rua da Assembléia, tinham nomes que rimavam: "O Cruzeiro" e "O Camiseiro".
Os marketeiros da época -que já os havia- bolaram campanhas iguais para as respectivas liquidações, que coincidiam com o mês do aniversário das duas camisarias. Foi a época das Loucuras de Maio e dos Escândalos de Abril.
A memória não dá para lembrar qual delas promovia os escândalos e qual delas se entregava às loucuras. De resto, dava na mesma.
O apelo não ficava nisso. Nos meses apropriados, na calçada ficavam cidadãos batendo palmas para atrair potenciais fregueses. Além das palmas, incentivavam o consumo aos berros: "Aproveitem que vai acabar!", "Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje!".
Uma tarde, passei por ali e esbarrei com o Moacyr (com ipsilone mesmo), filho do nosso vizinho, que batia palmas e conclamava os passantes a aproveitar não sei se os escândalos ou as loucuras daquele mês. Ele não teve vergonha de ser flagrado naquele ofício idiota. Quem teve vergonha fui eu.
Bem, a lembrança de tão remoto passado tem uma razão. Vi na TV o pessoal da equipe econômica batendo palmas e anunciando loucuras e escândalos deste setembro -por sinal, mês de aniversário do Brasil.
Não é todo dia que um país oferece 50% de juros ao mercado da especulação. É ao mesmo tempo uma loucura e um escândalo. A prioridade do governo é manter o real sobrevalorizado e, com isso, pagar a seu cabo eleitoral mais eficiente.
As duas camisarias não existem mais. Não sei se faliram, no lugar delas há bancos catedralescos. Ninguém fica na calçada batendo palmas, pelo contrário, há guardas armados que olham desconfiados para a gente. Por eles, ninguém entrava ali.
Não sei por que estou lembrando isso. Acho que foi o anúncio fúnebre de um Moacyr (com ipsilone) que vi no jornal.



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