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Loucuras e escândalos
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Disputavam a mesma rua. E nela, a mesma calçada. Brigavam, sobretudo, pela mesma clientela. Eram 12 portas voltadas para a
rua da Assembléia, tinham nomes que
rimavam: "O Cruzeiro" e "O Camiseiro".
Os marketeiros da época -que já os
havia- bolaram campanhas iguais
para as respectivas liquidações, que
coincidiam com o mês do aniversário
das duas camisarias. Foi a época das
Loucuras de Maio e dos Escândalos de
Abril.
A memória não dá para lembrar
qual delas promovia os escândalos e
qual delas se entregava às loucuras.
De resto, dava na mesma.
O apelo não ficava nisso. Nos meses
apropriados, na calçada ficavam cidadãos batendo palmas para atrair
potenciais fregueses. Além das palmas,
incentivavam o consumo aos berros:
"Aproveitem que vai acabar!", "Não
deixe para amanhã o que pode fazer
hoje!".
Uma tarde, passei por ali e esbarrei
com o Moacyr (com ipsilone mesmo),
filho do nosso vizinho, que batia palmas e conclamava os passantes a
aproveitar não sei se os escândalos ou
as loucuras daquele mês. Ele não teve
vergonha de ser flagrado naquele ofício idiota. Quem teve vergonha fui eu.
Bem, a lembrança de tão remoto
passado tem uma razão. Vi na TV o
pessoal da equipe econômica batendo
palmas e anunciando loucuras e escândalos deste setembro -por sinal,
mês de aniversário do Brasil.
Não é todo dia que um país oferece
50% de juros ao mercado da especulação. É ao mesmo tempo uma loucura e
um escândalo. A prioridade do governo é manter o real sobrevalorizado e,
com isso, pagar a seu cabo eleitoral
mais eficiente.
As duas camisarias não existem
mais. Não sei se faliram, no lugar delas há bancos catedralescos. Ninguém
fica na calçada batendo palmas, pelo
contrário, há guardas armados que
olham desconfiados para a gente. Por
eles, ninguém entrava ali.
Não sei por que estou lembrando isso. Acho que foi o anúncio fúnebre de
um Moacyr (com ipsilone) que vi no
jornal.
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