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São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2003

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A ALCA QUE INTERESSA

É bastante saudável a sociedade brasileira debater os rumos das negociações em torno da formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O tema é extremamente relevante, já que o acordo, uma vez concluído, trará consequências duradouras para o país. Não se trata, portanto, de algo a ser concluído às pressas, ao sabor de pressões imediatistas, tampouco de modo submisso, apenas para agradar a interesses hegemônicos e evitar que o Brasil seja responsabilizado por um impasse nos entendimentos.
Impasses, marchas e contramarchas fazem parte desse tipo de conversação. Não há motivo para temê-los. Afinal, o que está em jogo é nada menos do que o interesse nacional, entendido não em sua desgastada superfície ideológica, mas em seu significado mais profundo, de liberdade de escolha dos destinos da nação. Entre outras coisas, isso se traduz, pragmaticamente, na liberdade de formular e implementar políticas de desenvolvimento, de estabelecer ou não estímulos ou proteções, de subordinar ou não patentes aos imperativos da saúde pública, de privilegiar ou não o setor produtivo interno nas compras governamentais.
Decisões dessa ordem não são estranhas à história das grandes nações industrializadas, que sempre recorreram -e continuam recorrendo- a mecanismos de defesa de suas economias. Os Estados Unidos da América, o Japão, a Europa, a Coréia do Sul, todos têm em seus respectivos currículos medidas de defesa de seus interesses nacionais.
Também o Brasil, quanto a isso, tem seus exemplos, alguns fracassados, é verdade, outros, porém, bastante auspiciosos. A Embraer é claramente um desses casos bem-sucedidos, cuja formação teria sido impossível sob o ideário da liberalização desenfreada e irrefletida que muitos apregoam como a panacéia para os males do subdesenvolvimento.
Seria muito mais simples aderir às propostas norte-americanas para a Alca se fosse o Brasil um país sem um parque industrial sofisticado a defender, sem capacitação científica e tecnológica a aperfeiçoar, sem um poderoso agronegócio em busca de novas oportunidades externas, sem um cobiçado mercado interno, sem dimensões continentais e sem ambições geopolíticas.
Felizmente, apesar das dificuldades conhecidas, estamos em outro patamar. Se o Brasil tem a ganhar com a Alca, também é, em contrapartida, um dos raros envolvidos que têm muito a perder. O que está na mesa não é apenas um acerto de tarifas. Há diversos pontos na proposta dos EUA, relativos a temas como patentes, compras governamentais e regras de investimento, que poderiam impedir a consecução de políticas nacionais de desenvolvimento.
No que diz respeito ao acesso aos mercados, a primeira decisão restritiva veio exatamente dos EUA, que não aceitam discutir no âmbito da Alca um aspecto crucial, que é o protecionismo na agricultura.
Obviamente, o Itamaraty não deve confundir firmeza com intransigência, mas tampouco deve aceitar que negociação se torne sinônimo de subserviência. Em linhas gerais, a política brasileira tem sido correta. Não parece haver, até aqui, motivo para mudá-la. Ao Brasil interessa uma discussão mais detida, que considere suas complexidades. Seria o ideal que pudesse fazê-la com o apoio de seus parceiros do Mercosul.
O que não é aceitável é o país entregar-se voluntariamente à concretização de um projeto de integração dessa magnitude sem procurar proteger-se das assimetrias que parecem embutidas na genérica fórmula do "livre comércio".


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