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A ALCA QUE INTERESSA
É bastante saudável a sociedade brasileira debater os rumos
das negociações em torno da formação da Área de Livre Comércio das
Américas (Alca). O tema é extremamente relevante, já que o acordo,
uma vez concluído, trará consequências duradouras para o país. Não se
trata, portanto, de algo a ser concluído às pressas, ao sabor de pressões
imediatistas, tampouco de modo
submisso, apenas para agradar a interesses hegemônicos e evitar que o
Brasil seja responsabilizado por um
impasse nos entendimentos.
Impasses, marchas e contramarchas fazem parte desse tipo de conversação. Não há motivo para temê-los. Afinal, o que está em jogo é nada
menos do que o interesse nacional,
entendido não em sua desgastada
superfície ideológica, mas em seu
significado mais profundo, de liberdade de escolha dos destinos da nação. Entre outras coisas, isso se traduz, pragmaticamente, na liberdade
de formular e implementar políticas
de desenvolvimento, de estabelecer
ou não estímulos ou proteções, de
subordinar ou não patentes aos imperativos da saúde pública, de privilegiar ou não o setor produtivo interno nas compras governamentais.
Decisões dessa ordem não são estranhas à história das grandes nações industrializadas, que sempre recorreram -e continuam recorrendo- a mecanismos de defesa de
suas economias. Os Estados Unidos
da América, o Japão, a Europa, a Coréia do Sul, todos têm em seus respectivos currículos medidas de defesa de seus interesses nacionais.
Também o Brasil, quanto a isso,
tem seus exemplos, alguns fracassados, é verdade, outros, porém, bastante auspiciosos. A Embraer é claramente um desses casos bem-sucedidos, cuja formação teria sido impossível sob o ideário da liberalização
desenfreada e irrefletida que muitos
apregoam como a panacéia para os
males do subdesenvolvimento.
Seria muito mais simples aderir às
propostas norte-americanas para a
Alca se fosse o Brasil um país sem
um parque industrial sofisticado a
defender, sem capacitação científica
e tecnológica a aperfeiçoar, sem um
poderoso agronegócio em busca de
novas oportunidades externas, sem
um cobiçado mercado interno, sem
dimensões continentais e sem ambições geopolíticas.
Felizmente, apesar das dificuldades conhecidas, estamos em outro
patamar. Se o Brasil tem a ganhar
com a Alca, também é, em contrapartida, um dos raros envolvidos que
têm muito a perder. O que está na
mesa não é apenas um acerto de tarifas. Há diversos pontos na proposta
dos EUA, relativos a temas como patentes, compras governamentais e
regras de investimento, que poderiam impedir a consecução de políticas nacionais de desenvolvimento.
No que diz respeito ao acesso aos
mercados, a primeira decisão restritiva veio exatamente dos EUA, que
não aceitam discutir no âmbito da
Alca um aspecto crucial, que é o protecionismo na agricultura.
Obviamente, o Itamaraty não deve
confundir firmeza com intransigência, mas tampouco deve aceitar que
negociação se torne sinônimo de
subserviência. Em linhas gerais, a
política brasileira tem sido correta.
Não parece haver, até aqui, motivo
para mudá-la. Ao Brasil interessa
uma discussão mais detida, que considere suas complexidades. Seria o
ideal que pudesse fazê-la com o
apoio de seus parceiros do Mercosul.
O que não é aceitável é o país entregar-se voluntariamente à concretização de um projeto de integração dessa magnitude sem procurar proteger-se das assimetrias que parecem
embutidas na genérica fórmula do
"livre comércio".
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