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São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2003

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PROTESTOS NA BOLÍVIA

É grave a crise na Bolívia, mas, até o momento, nada há que sugira uma tomada do poder pela força ou outra saída não-institucional. Assim, parece precipitado falar, como o fez o Departamento de Estado norte-americano, em "ataque contra a democracia e a ordem constitucional".
Qualquer um que abra um manual de sociologia perceberá que protestos de rua contra governantes podem ocorrer até mesmo nas mais robustas democracias. É verdade que a tradição de instabilidade e golpismo da América Latina tende a despertar receios. Guardadas as proporções, no entanto, o próprio "recall" a que foi submetido o governador da Califórnia na semana passada não é essencialmente diverso do que se passa na Bolívia. A diferença, certamente, é que no Estado americano os protestos se deram por escrito, e tropas do Exército não saíram disparando seus fuzis contra os eleitores.
Como na Califórnia, o pano de fundo para a crise boliviana é a economia. O governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada não foi capaz de proporcionar à população o crescimento econômico que havia prometido com o seu programa de reformas liberais. Ao contrário, a crise que se abateu sobre a América Latina atingiu com mais força os países mais dependentes, caso da Bolívia.
No caso específico da venda de gás para México e EUA, o pretexto para a atual onda de protestos, operam ainda elementos psicológicos. Muitos bolivianos se sentiram traídos com a privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPBF), que era a "Petrobras" local e foi vendida na primeira passagem de Sánchez de Lozada pela Presidência (1993-1997). Com efeito, a venda da estatal não resultou em benefícios palpáveis para a população, que julgou ainda ter perdido a soberania sobre as ricas reservas naturais. O Estado boliviano fica com apenas 18% da venda do gás.
Para tornar as coisas ainda mais difíceis, Sánchez de Lozada havia concordado com que o gás fosse exportado através de um porto no norte do Chile. A atitude feriu os brios nacionalistas bolivianos, que nunca aceitaram a derrota para o Chile na Guerra do Pacífico (1879-1883), que lhes custou sua saída para o mar.
A precipitada defesa por parte dos EUA de uma ordem democrática que nem ao menos foi questionada se explica por outras razões. Na hipótese de uma renúncia de Sánchez de Lozada, o líder oposicionista Evo Morales poderia ganhar importância no governo do vice-presidente Carlos Mesa. E Morales é motivo de preocupação para os EUA, pois é esquerdista e líder "cocalero" (ligado aos plantadores de coca, atividade tradicional e que não é ilegal na Bolívia).


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