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PROTESTOS NA BOLÍVIA
É grave a crise na Bolívia, mas,
até o momento, nada há que sugira uma tomada do poder pela força
ou outra saída não-institucional. Assim, parece precipitado falar, como o
fez o Departamento de Estado norte-americano, em "ataque contra a democracia e a ordem constitucional".
Qualquer um que abra um manual
de sociologia perceberá que protestos de rua contra governantes podem
ocorrer até mesmo nas mais robustas democracias. É verdade que a tradição de instabilidade e golpismo da
América Latina tende a despertar receios. Guardadas as proporções, no
entanto, o próprio "recall" a que foi
submetido o governador da Califórnia na semana passada não é essencialmente diverso do que se passa na
Bolívia. A diferença, certamente, é
que no Estado americano os protestos se deram por escrito, e tropas do
Exército não saíram disparando seus
fuzis contra os eleitores.
Como na Califórnia, o pano de fundo para a crise boliviana é a economia. O governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada não foi capaz de proporcionar à população o
crescimento econômico que havia
prometido com o seu programa de
reformas liberais. Ao contrário, a crise que se abateu sobre a América Latina atingiu com mais força os países
mais dependentes, caso da Bolívia.
No caso específico da venda de gás
para México e EUA, o pretexto para a
atual onda de protestos, operam ainda elementos psicológicos. Muitos
bolivianos se sentiram traídos com a
privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPBF), que
era a "Petrobras" local e foi vendida
na primeira passagem de Sánchez de
Lozada pela Presidência (1993-1997).
Com efeito, a venda da estatal não resultou em benefícios palpáveis para a
população, que julgou ainda ter perdido a soberania sobre as ricas reservas naturais. O Estado boliviano fica
com apenas 18% da venda do gás.
Para tornar as coisas ainda mais difíceis, Sánchez de Lozada havia concordado com que o gás fosse exportado através de um porto no norte do
Chile. A atitude feriu os brios nacionalistas bolivianos, que nunca aceitaram a derrota para o Chile na Guerra do Pacífico (1879-1883), que lhes
custou sua saída para o mar.
A precipitada defesa por parte dos
EUA de uma ordem democrática que
nem ao menos foi questionada se explica por outras razões. Na hipótese
de uma renúncia de Sánchez de Lozada, o líder oposicionista Evo Morales poderia ganhar importância no
governo do vice-presidente Carlos
Mesa. E Morales é motivo de preocupação para os EUA, pois é esquerdista e líder "cocalero" (ligado aos plantadores de coca, atividade tradicional
e que não é ilegal na Bolívia).
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