UOL




São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Vencer o mal com o bem

Os meios de comunicação têm revelado ao país a situação dos encarcerados. Cresceu o número de rebeliões com apreensão de reféns, a brutalidade entre os presos, o confronto com os guardas e as agressões e os assassinatos. A frequência desses episódios denota a grave deterioração do sistema carcerário, o que requer providências adequadas e urgentes por parte das autoridades. As cenas de repressão, com presos sentados no chão, desnudos, com as mãos sobre as cabeças, questionam fortemente nossa sociedade.
O aumento do crime torna o problema ainda mais premente, provocando o inchaço nas cadeias e nos presídios. As notícias nos estarrecem: assaltos com sevícias, crimes hediondos, intenso tráfico de drogas, organização de quadrilhas, reação da polícia, tiroteios pelas ruas da cidade.
É preciso, no entanto, que a sociedade perceba as causas de toda essa violência. Congresso mundial realizado em Dublin (Irlanda), de 5 a 11 de setembro deste ano, com o tema "Prisões no Terceiro Milênio", que teve representantes de 57 países, colocou em evidência o drama da miséria e da fome. A enorme desigualdade social exacerba a indignação e provoca reações de agressão, de vingança e de busca desenfreada por vantagens e por bens materiais.
Na raiz mais profunda da desigualdade social, encontra-se o erro da sociedade, que falhou na escolha de valores, privilegiando a acumulação de riquezas, a busca de prazer sem controle e a sede de poder e dominação. Essa desordem axiológica aciona uma série de dinamismos de cobiça e corrupção que destroem a relação de estima e respeito devidas a toda pessoa.
A sociedade precisa discernir os valores que dão sentido à vida humana e educar-se para promovê-los. Todos somos convocados a assumir a nossa parte de responsabilidade e a unir esforços para realizar um projeto novo de sociedade que tenha por fundamento, à luz de Deus, a fraternidade entre os seres humanos, superando toda exclusão social. Esse empenho coletivo obriga-nos a olhar com mais humanismo a situação dos encarcerados. Cabe à sociedade, diante do crime, identificar os culpados, corrigir o erro, exigir reparação, mas zelar para que o sistema carcerário respeite a dignidade humana e a possibilidade de recuperação.
Segue-se a necessidade de eliminar a tortura e os maus-tratos, a duração ilimitada de prisão provisória e o encarceramento sem provas. A situação é deprimente: população excessiva, falta de água, de higiene e de luz, arbitrariedade da polícia e brutalidade e assassinatos entre os presos.
Para detentos que, pela gravidade do crime e pelo perigo para sociedade, são condenados a longas penas, torna-se indispensável a reclusão, mas esta deve respeitar as exigências da dignidade, a oportunidade de trabalho e o relacionamento humanitário. Para uma larga faixa de detentos, no entanto, o tratamento deveria ser agilizado, visando à reinserção na sociedade.
Faço um apelo às comunidades cristãs e às pessoas de boa vontade para que, além do dever prioritário de cuidar das vítimas dos crimes, cooperem em assegurar o acompanhamento jurídico e espiritual de cada caso, cuidem para que haja condições de alimentação, de higiene e de leito e mantenham o atendimento às famílias necessitadas dos encarcerados.
A ação mais eficaz contra o crime está no compromisso da fraternidade.
É preciso vencer o mal com o bem (Rom. 12, 21).


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Lixo eletrônico
Próximo Texto: Frase

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.