São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Faltou um Deng

Quando se afirma que, em 1984, o Brasil exportava mais do que a China (e metade de suas exportações era de produtos industrializados), as pessoas não acreditam, porque hoje as exportações chinesas são cinco vezes as exportações nacionais. Infelizmente, durante a última vintena de anos, o Brasil cultivou a "dengue" produzida pelo Aedes aegypti, mas não encontrou um "Deng" (Xiaoping)! Enquanto congelamos a taxa cambial cinco vezes entre 1986 e 1998, tornando o setor exportador o menos rentável e o mais arriscado da economia, Deng manteve a China com o yuan subvalorizado e taxas de juros reais negativas durante quase todo o período e abriu para o investimento externo as zonas especiais de processamento de exportação. Americanos e japoneses instalaram-se na China no ambiente de feroz "capitalismo" para exportarem para seus próprios países.
A tabela abaixo revela o que ocorreu com as exportações entre 1984 e 2004 em alguns países e no mundo.




Só muito recentemente (a partir de meados de 2002) as exportações voltaram a crescer aceleradamente no Brasil, graças à taxa de câmbio real atrativa e às facilidades de crédito a taxas de juros mais baixas, obtidas pela natureza do próprio setor.
É um grave erro pensar que esse resultado se deva a discriminações feitas pelo mundo contra o Brasil. No fundo ele é produto de uma extraordinária incompetência administrativa. Recusamo-nos a aproveitar, no momento próprio, as facilidades criadas pelas Zonas de Processamento Especiais de Exportação -ZPE-, que parecem continuar a ter ignorantes inimigos (remanescentes no ministério do Comércio Exterior e na Receita Federal).
Não foi a extrema competência da China que nos arruinou, mas a nossa extrema incompetência. Não entenderam o que era realmente importante fazer logo depois do sucesso extraordinário do Plano Real. Em 1994, já estávamos terrivelmente atrasados -com uma exportação ridícula de US$ 43,5 bilhões. Em 2002, ela atingiu US$ 60,4 bilhões, com um aumento de apenas 4,2% ao ano no período, enquanto as exportações mundiais cresceram 5,1%. Isso se deve ao desprezo com que tratamos o setor exportador, acumulando US$ 186 bilhões de déficit em conta corrente.
Não foi o mundo que nos afastou do comércio internacional. Foi nossa política cambial e creditícia que criou a extrema vulnerabilidade externa que só agora começamos a superar. Em 31/12/2002, o Brasil não satisfazia a maioria das condições que o mercado exige dos países "virtuosos"... Hoje mesmo nossa reserva líquida ajustada é de apenas US$ 24 bilhões. Continuamos a flertar com o uso do câmbio como fator coadjuvante no combate à inflação e a dispensar o apoio do FMI. Ponha incompetência nisso!

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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