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Ganância avança sobre o setor de serviços
LUIGI NESE
Não é admissível que, por mero objetivo arrecadatório, pessoas jurídicas legalmente constituídas sejam tratadas como "disfarces"
SEGUNDO dados do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento
Tributário), desde a Constituição de 1988 até hoje, nada menos do
que 26 mil normas tributárias federais, 69 mil estaduais e 134 mil normas municipais foram editadas.
Apesar dessa avalanche regulatória,
nunca foi editado nenhum tipo de dispositivo vedando a constituição de
empresas de prestação de serviços intelectuais, inclusive em caráter personalíssimo. Não há nenhuma proibição dessa ordem -até porque estaria
em franca oposição à Constituição
Federal, ao Código Civil e à legislação
tributária e previdenciária, que, em
conjunto, reconhecem e normatizam
a existência e as atividades exercidas
por tais empresas.
No entanto, o país assiste a uma
contraditória situação: pessoas jurídicas regularmente constituídas, cujas atividades se pautam pela legislação vigente, que são reconhecidas pelos órgãos públicos federais, estaduais
e municipais, repentinamente deixam de ser o que são, vêem-se desconsideradas como entidade civil e têm
suas relações contratuais e comerciais descaracterizadas pela administração tributária federal.
Ou seja, além do caos tributário instalado no país em decorrência de uma
das maiores cargas tributárias do
mundo, da burocracia e da legislação
complexa, os empresários enfrentam
agora o avanço desenfreado da arbitrariedade fiscal.
O ímpeto dessa mobilização consiste em preterir o regime jurídico próprio das empresas e transformar o
contribuinte pessoa jurídica em pessoa física e o prestador dos serviços
em empregado da empresa contratante, para, nessa condição, gerar
maiores receitas -exigidas pela voracidade fiscal.
Nesse cenário de exação e arbítrio,
direitos e princípios assegurados na
Constituição Federal e em normas infraconstitucionais são completamente ignorados.
1) Compete exclusivamente ao Poder Judiciário dirimir conflitos trabalhistas e desconsiderar a personalidade jurídica de empresas nos casos
previstos em lei.
2) A liberdade de iniciativa é princípio constitucional assente que assegura ao prestador de serviços profissionais o direito de organizar-se como
empresa.
3) A liberdade contratual é exaustivamente tratada no Código Civil.
4) O artigo 129 da lei nš 11.196/05
-norma interpretativa dirigida aos
agentes fiscais- ratificou que a prestação de serviços de natureza intelectual por pessoa jurídica é tributada
com base na legislação aplicável tão-somente às pessoas jurídicas.
O tratamento discriminatório dispensado às micro e pequenas empresas de prestação de serviços, em geral,
e em particular as de natureza intelectual, fica evidente também com a
Lei do Simples, que as impede de usufruir das vantagens fiscais do regime
tributário simplificado.
A "injustiça fiscal" permanece inalterada com a sanção presidencial da
Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que veda expressamente, conforme o artigo 17, inciso XI, o ingresso
no sistema tributário favorecido de
microempresa ou empresa de pequeno porte "que tenha por finalidade a
prestação de serviços decorrentes do
exercício de atividade intelectual, de
natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural que constitua
profissão regulamentada ou não".
Além desse aspecto discriminatório contra as referidas atividades, a lei
geral estabelece três tabelas de alíquotas para outros segmentos de
prestação de serviços abrangidos no
regime simplificado com carga tributária bem superior à prevista para o
comércio e a indústria. Por que tratamentos desiguais entre atividades
econômicas? E o princípio constitucional do tratamento isonômico?
Como se pode observar, toda a
questão gira em torno de carga tributária, e não da legalidade das empresas. Não é admissível que, por simples
objetivo arrecadatório, todo o ordenamento legal seja rasgado por um
auditor fiscal e que pessoas jurídicas
legalmente constituídas sejam tratadas como "disfarces" ou descaracterizadas sem razões expressas nem processo judicial.
Se nem os contribuintes formalmente estabelecidos são respeitados,
como se dará o Estado de Direito?
LUIGI NESE, 65, empresário, é presidente da CNS (Confederação Nacional de Serviços), do Seprosp (Sindicato das
Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo) e vice-presidente da Fasesp (Federação de Serviços do Estado de São Paulo).
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