São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

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Ganância avança sobre o setor de serviços

LUIGI NESE

Não é admissível que, por mero objetivo arrecadatório, pessoas jurídicas legalmente constituídas sejam tratadas como "disfarces"

SEGUNDO dados do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), desde a Constituição de 1988 até hoje, nada menos do que 26 mil normas tributárias federais, 69 mil estaduais e 134 mil normas municipais foram editadas.
Apesar dessa avalanche regulatória, nunca foi editado nenhum tipo de dispositivo vedando a constituição de empresas de prestação de serviços intelectuais, inclusive em caráter personalíssimo. Não há nenhuma proibição dessa ordem -até porque estaria em franca oposição à Constituição Federal, ao Código Civil e à legislação tributária e previdenciária, que, em conjunto, reconhecem e normatizam a existência e as atividades exercidas por tais empresas.
No entanto, o país assiste a uma contraditória situação: pessoas jurídicas regularmente constituídas, cujas atividades se pautam pela legislação vigente, que são reconhecidas pelos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, repentinamente deixam de ser o que são, vêem-se desconsideradas como entidade civil e têm suas relações contratuais e comerciais descaracterizadas pela administração tributária federal.
Ou seja, além do caos tributário instalado no país em decorrência de uma das maiores cargas tributárias do mundo, da burocracia e da legislação complexa, os empresários enfrentam agora o avanço desenfreado da arbitrariedade fiscal.
O ímpeto dessa mobilização consiste em preterir o regime jurídico próprio das empresas e transformar o contribuinte pessoa jurídica em pessoa física e o prestador dos serviços em empregado da empresa contratante, para, nessa condição, gerar maiores receitas -exigidas pela voracidade fiscal.
Nesse cenário de exação e arbítrio, direitos e princípios assegurados na Constituição Federal e em normas infraconstitucionais são completamente ignorados.
1) Compete exclusivamente ao Poder Judiciário dirimir conflitos trabalhistas e desconsiderar a personalidade jurídica de empresas nos casos previstos em lei.
2) A liberdade de iniciativa é princípio constitucional assente que assegura ao prestador de serviços profissionais o direito de organizar-se como empresa.
3) A liberdade contratual é exaustivamente tratada no Código Civil.
4) O artigo 129 da lei nš 11.196/05 -norma interpretativa dirigida aos agentes fiscais- ratificou que a prestação de serviços de natureza intelectual por pessoa jurídica é tributada com base na legislação aplicável tão-somente às pessoas jurídicas.
O tratamento discriminatório dispensado às micro e pequenas empresas de prestação de serviços, em geral, e em particular as de natureza intelectual, fica evidente também com a Lei do Simples, que as impede de usufruir das vantagens fiscais do regime tributário simplificado.
A "injustiça fiscal" permanece inalterada com a sanção presidencial da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que veda expressamente, conforme o artigo 17, inciso XI, o ingresso no sistema tributário favorecido de microempresa ou empresa de pequeno porte "que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural que constitua profissão regulamentada ou não".
Além desse aspecto discriminatório contra as referidas atividades, a lei geral estabelece três tabelas de alíquotas para outros segmentos de prestação de serviços abrangidos no regime simplificado com carga tributária bem superior à prevista para o comércio e a indústria. Por que tratamentos desiguais entre atividades econômicas? E o princípio constitucional do tratamento isonômico?
Como se pode observar, toda a questão gira em torno de carga tributária, e não da legalidade das empresas. Não é admissível que, por simples objetivo arrecadatório, todo o ordenamento legal seja rasgado por um auditor fiscal e que pessoas jurídicas legalmente constituídas sejam tratadas como "disfarces" ou descaracterizadas sem razões expressas nem processo judicial.
Se nem os contribuintes formalmente estabelecidos são respeitados, como se dará o Estado de Direito?


LUIGI NESE, 65, empresário, é presidente da CNS (Confederação Nacional de Serviços), do Seprosp (Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo) e vice-presidente da Fasesp (Federação de Serviços do Estado de São Paulo).

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