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JOSÉ SARNEY
Lágrimas para João Hélio
A TRÁGICA história do menino João Hélio fez despertar
uma consciência de culpa na
sociedade brasileira com a condescendência com o crime. Não se pode tratar uma pessoa de 16 anos como criança inconsciente. Ele vota,
escolhe os dirigentes do país, procria, protesta, opina e exerce direitos de cidadão. Não pode deixar de
distinguir entre o bem e o mal. É
um crime contra o próprio adolescente levá-lo ao crime com a certeza da impunidade. Então, o deixamos indefeso contra o aliciamento.
Os argumentos contrários são mais
abstratos do que concretos, mais
românticos do que reais.
Outro fator que estimula o crime
é o homicida defender-se solto. A
Lei Fleury, do tempo dos militares,
foi adotada pela democracia. Lutei
contra isso, que a famigerada
Constituição de 88 consagrou.
Atrás de cada homicídio existe um
drama humano, denso e trágico: vida, destino, família. Assassinos
confessos passeiam de cara lisa.
Há 40 anos, a morte de outro menino, Odylo, também causou uma
grande comoção nacional. O pai,
um dos maiores jornalistas brasileiros, moveu mundos e conseguiu
que o Congresso Nacional aprovasse a criação da Funabem. No momento final, o ministro da Fazenda
retirou da lei a vinculação de recursos orçamentários. Odylo não se
conformou e, num artigo dramático, afirmou: "Não se resolve o problema do menor com uma fundação mendiga. Pode-se fazer toda
reforma, sonhar o céu, mas, sem dinheiro, não daremos um passo, não
resgataremos o inferno aqui debaixo". E previa um destino sombrio
para a nação dividida.
A Funabem fracassou, como
Odylo temia. A União lavou as
mãos, e as Febens são escolas de
preparação para o crime. São iguais
ou piores aos antigos SAM.
Não basta melhorar nossa legislação penal, evitar absurdos como
criminosos serem postos em regime de prisão aberta sem uma adequada avaliação e acompanhamento, mas é preciso reerguer do fundo
do poço a atuação da polícia e da
Justiça. O exemplo de Pernambuco é didático: apenas 1,3% dos homicídios chegam à Justiça. É preciso acabar com os presídios superlotados, em que não há nenhum
resquício de finalidade de regeneração. Não adianta aumentar penas se não temos cadeia. As prisões
são universidades do crime, e não
de regeneração. Vale para elas o
verso de Dante gravado na porta do
Inferno: "Lasciate ogne speranza,
voi ch'intrate" -"...toda esperança...". Fiquei chocado quando ouvi
um menor dizer: "Não tenho medo
de morrer nem de nada. Depois de
mim, vai vir um melhor ou pior do
que eu". É essa falta de visão da vida que nos faz chorar, pelos meninos assim e por João Hélio, com
seu destino cortado.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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