São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

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JOSÉ SARNEY

Lágrimas para João Hélio

A TRÁGICA história do menino João Hélio fez despertar uma consciência de culpa na sociedade brasileira com a condescendência com o crime. Não se pode tratar uma pessoa de 16 anos como criança inconsciente. Ele vota, escolhe os dirigentes do país, procria, protesta, opina e exerce direitos de cidadão. Não pode deixar de distinguir entre o bem e o mal. É um crime contra o próprio adolescente levá-lo ao crime com a certeza da impunidade. Então, o deixamos indefeso contra o aliciamento.
Os argumentos contrários são mais abstratos do que concretos, mais românticos do que reais.
Outro fator que estimula o crime é o homicida defender-se solto. A Lei Fleury, do tempo dos militares, foi adotada pela democracia. Lutei contra isso, que a famigerada Constituição de 88 consagrou.
Atrás de cada homicídio existe um drama humano, denso e trágico: vida, destino, família. Assassinos confessos passeiam de cara lisa.
Há 40 anos, a morte de outro menino, Odylo, também causou uma grande comoção nacional. O pai, um dos maiores jornalistas brasileiros, moveu mundos e conseguiu que o Congresso Nacional aprovasse a criação da Funabem. No momento final, o ministro da Fazenda retirou da lei a vinculação de recursos orçamentários. Odylo não se conformou e, num artigo dramático, afirmou: "Não se resolve o problema do menor com uma fundação mendiga. Pode-se fazer toda reforma, sonhar o céu, mas, sem dinheiro, não daremos um passo, não resgataremos o inferno aqui debaixo". E previa um destino sombrio para a nação dividida.
A Funabem fracassou, como Odylo temia. A União lavou as mãos, e as Febens são escolas de preparação para o crime. São iguais ou piores aos antigos SAM.
Não basta melhorar nossa legislação penal, evitar absurdos como criminosos serem postos em regime de prisão aberta sem uma adequada avaliação e acompanhamento, mas é preciso reerguer do fundo do poço a atuação da polícia e da Justiça. O exemplo de Pernambuco é didático: apenas 1,3% dos homicídios chegam à Justiça. É preciso acabar com os presídios superlotados, em que não há nenhum resquício de finalidade de regeneração. Não adianta aumentar penas se não temos cadeia. As prisões são universidades do crime, e não de regeneração. Vale para elas o verso de Dante gravado na porta do Inferno: "Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate" -"...toda esperança...". Fiquei chocado quando ouvi um menor dizer: "Não tenho medo de morrer nem de nada. Depois de mim, vai vir um melhor ou pior do que eu". É essa falta de visão da vida que nos faz chorar, pelos meninos assim e por João Hélio, com seu destino cortado.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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