São Paulo, segunda, 16 de fevereiro de 1998

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Uma lei em defesa do autor


Atingimos um patamar de proteção ao direito do autor sem precedentes no direito brasileiro e sem rival no mundo


ALOYSIO NUNES FERREIRA FILHO

O Congresso aprovou a nova lei de direitos autorais, para substituir a lei nš 5.988, de 1973, e as normas esparsas que regulam a matéria. Já não era sem tempo: a primeira iniciativa foi do senador Luís Viana Filho, em 1989.
A demora trouxe uma vantagem ao trabalho legislativo: permitiu que levássemos em conta o resultado da elaboração a que se vinha dedicando, desde 1990, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, com vistas a assegurar, em tratados internacionais, novas formas de proteção ao autor em face das vertiginosas transformações nas técnicas de comunicação.
É claro que as tecnologias usadas na difusão das criações do espírito sempre condicionaram o exercício dos direitos do autor. A rigor, o direito autoral nasce com a invenção dos tipos móveis.
Ocorre, porém, que nos últimos anos a revolução tecnológica foi tão avassaladora no campo das comunicações -a informática, a tecnologia digital, o cabo, a fibra ótica, as redes de computadores- que acabaram surgindo e se vulgarizando modalidades de utilização de obras intelectuais com as quais nem sonhava o legislador de 1973. Daí a necessidade de atualizar a lei.
Assim, a nova lei amplia o conceito de transmissão para nele incluir a difusão por sinais de satélite, fio, cabo ou outro condutor, além de meios óticos ou qualquer processo eletromagnético.
A reprodução, na nova lei, deixará de ser sinônimo de cópia e incluirá o armazenamento de obras em meios eletrônicos, a exigir autorização do autor.
Conferiu-se ao autor um novo direito, o de distribuição. Passa a ser sua prerrogativa não só autorizar a venda de exemplares de suas obras como também a locação. O mesmo acontecerá com a "distribuição eletrônica", circunstância em que, mediante acesso on line, a pessoa determina quando e onde receberá as obras que escolher.
Ninguém mais poderá alterar dispositivos técnicos introduzidos em suportes das obras para evitar sua cópia ou comunicação ao público, sob pena de sanções civis e penais.
Programas de computador e bases de dados são agora protegidos. A lei contém igualmente um antídoto contra a obsolescência: assegura ao autor o direito de controlar, além das existentes, modalidades de utilização que vierem a ser inventadas. Atingimos um patamar de proteção ao direito do autor sem precedentes na história do direito brasileiro e sem rival no mundo.
Assim, o Congresso, atendendo a uma velha aspiração dos intelectuais brasileiros, atribuiu exclusivamente à pessoa física a condição do autor, tomada de posição que terá extraordinários desdobramentos no campo doutrinário e jurisprudencial.
A obra fotográfica, tão maltratada na lei 5.988, ganha o mesmo status das demais criações em face da lei. Em relação às artes plásticas, cai por terra o equívoco da lei em vigor que dá ao seu adquirente o direito de reproduzi-la.
A nova lei busca proteger os colaboradores de obras coletivas. Além dos direitos patrimoniais, os participantes delas terão assegurado o direito de ver seu nome publicado e seu trabalho reconhecido, escapando do anonimato a que estão hoje condenados.
A cópia privada continua lícita. Mas seu conceito será mais restrito: só se admite reprodução de pequenos trechos, feita pelo copista para seu uso próprio. Entre os direitos morais dos autores, aparece o de ter acesso a exemplar único e raro de obra sua para, reproduzindo-o, preservar sua memória.
Há muito tempo os criadores pretendiam ter à disposição outras modalidades de transferência de direitos além da clássica cessão, considerada por muitos suscetível de aplicações leoninas. Pois a lei os atendeu nos arts. 52 e seguintes.
Mas há novidades no instituto da cessão: seu prazo, no silêncio das partes, não poderá ultrapassar cinco anos e, em princípio, só vale para o país em que se firmou o contrato e para as modalidades existentes no momento da contratação. Ademais, o prazo de proteção aos direitos patrimoniais foi ampliado de 60 para 70 anos após a morte do autor, em proveito dos sucessores.
O novo diploma legal mantém expressamente em vigor as leis nš 6.533 e 6.615, de 1978, que disciplinam as profissões dos artistas e técnicos em espetáculos, bem como a dos radialistas.
Sem prejuízo da aplicação dessas leis, os artistas intérpretes e executantes recebem, no plano autoral, uma proteção consideravelmente ampliada. Entre seus novos direitos estão o de assegurar a integridade de suas interpretações, a proteção da imagem e da voz quando associadas às suas atuações e o direito exclusivo de autorizar ou proibir o uso de suas interpretações ou execuções.
O projeto aprovado atende também à esmagadora maioria da comunidade artística ao manter o sistema unificado de gestão de direitos da execução pública de obras musicais e de fonogramas.
Expurga a lei autoral dos resíduos do autoritarismo que previam intervenção da polícia na autorização de espetáculos. Regula, cumprindo a Carta de 1988, a intervenção de sindicatos e associações profissionais de artistas na fiscalização das sociedades arrecadadoras.
Essas são as principais novidades. Elas adaptam nossa legislação aos tempos modernos e a compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil.
Com a entrada em vigor dessa lei, concluímos um ciclo de elaboração pelo Congresso, nesta legislatura, de leis no campo da propriedade intelectual -as de propriedade industrial, dos cultivares e do software- que asseguram aos trabalhadores intelectuais meios jurídicos eficazes para defender prerrogativas decorrentes da criação.
A lei prestigia os que investem na chamada "indústria cultural" e lhes oferece segurança jurídica. Mais: dota a cultura brasileira de um conjunto de regras democráticas, à altura de sua pujança, de seu significado econômico e de sua projeção internacional.
Aloysio Nunes Ferreira Filho, 52, advogado, é deputado federal pelo PSDB de São Paulo e membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Foi relator da nova lei de direitos autorais e vice-governador do Estado de São Paulo (1991-94).



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